O No Ato dessa semana bateu um papo interessante com a atriz e dubladora Mabel Cezar. Dubladora há mais de 20 anos, Mabel, que atualmente é a voz feminina oficial da Rede Globo e que participou recentemente da minissérie “Dois Irmãos”, falou abertamente sobre sua carreira, sobre empoderamento feminino e sobre sua vida. Confira abaixo:
A dublagem entrou na sua vida há 20 anos. Você viu muitas mudanças acontecerem no mercado. Fale um pouco sobre esses anos de estúdio.
Quando eu ingressei no mercado de dublagem no Rio de Janeiro, existiam duas grande empresas e eles detinham o monopólio, eram a Herbert Richards e VTI. E nós éramos contratados com a carteira assinada. Hoje em dia, o mercado mudou e não existe nenhuma empresa com monopólio. Existem várias pequenas empresas pulverizadas, tanto no Rio quanto em São Paulo. Elas não assinam carteira e algumas pessoas pessoas precisam virar pessoa jurídica para receber. O mercado mudou bastante nessa parte administrativa. A globalização fez tudo mudar. E na parte artística, as pessoas dublavam juntas. Então eu dividia a bancada na hora de dublar. Eu dublava com vários dubladores junto comigo, quando a cena tinha várias pessoas. Não era separado como hoje e se aprendia muito. O processo era mais moroso, mais lento e a qualidade tecnológica não era tão boa mas, em compensação, se aprendia e se trocava muito. Então havia uma excelente formação profissional, porque você começava trabalhando com aquelas pessoas mais experientes. Você aprendia de uma maneira incrível com os que sabiam. Hoje em dia as pessoas dublam sozinhas nos estúdios. Os estúdios foram diminuindo e hoje só cabem uma pessoa, uma bancada e a televisão. E as pessoas que estão começando não podem mais aprender com as antigas pois não dividem mais a bancada. Hoje, para começar na dublagem, os novos dubladores precisam estar em outro nível. Precisam estar prontos, porque não vão aprender mais ombro a ombro, dividindo a bancada com pessoas mais experientes. Já precisam entrar no mercado muito bem preparados. E os diretores de dublagem também precisam ter mais paciência para ajudar os que estão começando.
Durante esses anos, você colocou sua voz em vários rostos famosos do cinema, como Anne Hathaway, Emma Thompson, Catherine Zeta Jones e Minnie Mouse, além de dirigir dubladores. Sua voz é reconhecida e já se tornou um marco na dublagem. Além disso, você decidiu se dedicar também ao ensino, ministrando cursos e workshops de dublagem ao redor do Brasil. E recentemente abriu sua própria escola de dublagem. Fale um pouco sobre isso.
Eu sou professora por formação, eu fiz magistério. Mas virei atriz para ser dubladora que foi uma paixão que me pegou pelo pé! Quando eu fui chamada para dar aula, eu não sabia como seria isso, mas eu descobri que eu gostava. Aquela paixão pelo magistério lá atrás veio e eu fui dando aulas e fui desenvolvendo um método próprio de dar aula. Eu não tinha consciência disso. Eu fui fazendo e com o passar dos anos eu fui entendendo a minha metodologia e fui cada vez gostando mais. Desde que eu comecei a dar aulas, há mais de dez anos, eu nunca parei! Eu sinto falta nas férias. E são essas pessoas como eu, que gostam desse ofício de passar o conhecimento adiante, que são os responsáveis pela renovação de qualquer categoria. E tem muito excelente profissional que não tem o dom de passar adiante. Eu não faço por uma renda extra, não é o meu caso. Eu realmente sou apaixonada por passar adiante. Sempre foi assim. E juntar a minha paixão que é a dublagem com o magistério e poder dar aula, formar uma metodologia própria e ver as pessoas que foram meus alunos hoje no mercado se portanto de maneira ética, buscando o seu melhor cada vez que entra no estúdio, me enche de orgulho!
Sua voz se tornou a voz feminina oficial da Rede Globo, conhecida por ter locução masculina por muitos anos. Como tem sido essa experiência?
Foram vários testes e eu fui escolhida. Ter sido escolhida como a voz padrão da Rede Globo depois de tantos anos apenas com uma voz masculina padrão, me enche de orgulho. Óbvio. Por que foi uma quebra de paradigma e eu sou a voz que leva isso adiante. Imagina: estamos nos anos 2000 e nesse milênio não ter uma voz feminina representando a maior emissora do país, não ter uma voz feminina na grade de uma emissora tão importante para o nosso país é esquisito. Então, quando enfim a Rede Globo resolveu fazer isso e eu fui a escolhida, me deixou muito orgulhosa pela minha profissão, por levar isso adiante, pelo fato de eu ser mulher e eu ser a representante delas (mexeu com uma, mexeu com todas!). Eu sou a representante feminina nesse grande latifúndio da locução que é um mercado que ainda hoje a voz masculina é muito mais forte. Os homens ganham mais que as mulheres. Então, ser essa voz que levanta essa bandeira de que a voz feminina em locução é tão importante, tão agregadora, tão aconchegante, tão vendável, tão varejão quanto a voz masculina na locução, pra mim é o que mais me deixa feliz. E a cada ano descobrir que continua sendo positivo, me deixa orgulhosa. Eu sou muito grata a Rede Globo por isso!
O mercado da dublagem vem crescendo cada vez mais ao longo dos anos. Além disso, os musicais caíram no gosto do público brasileiro, fazendo com que jovens atores se preocupem mais e mais com a voz, lançando mão de consultas com fonoaudiólogos e aulas de canto para se especializar. O que você diria para o jovem ator que está ingressando na carreira e se interessa pelo mercado da dublagem?
Quem quer ingressar na carreira de dublagem tem que se preparar. Tem que se especializar. Hoje em dia você não aprende mais fazendo. As pessoas tem que se preparar antes porque quando você for para o estúdio de dublagem você tem que estar pronto. O ator pode ser experiente no teatro, cinema, televisão, musical… Mas quando ele vai para um estúdio para dublar, o buraco é mais embaixo. É um outro veículo que tem questões próprias desse veículo, que se aprende em curso. Por isso que hoje em dia tem tanto curso de especialização. Você precisa se especializar para dublar. E uma vez que você se especializou e acredita que esteja apto para entrar no mercado, tem que ter persistência. Porque no mercado de dublagem não adianta você deixar material e ir embora. Você tem que se fazer presente buscando a possibilidade de fazer um estágio ou assistir a dublagem, pois quando você assiste outros dublando você aprende tanto quanto ou mais que no curso. E tem a chance de um diretor querer ouvir você. Tem muita gente que tem talento e não tem vocação. Quando chega nesse momento de procurar trabalho, se não tiver vocação, persistência, acaba desistindo.
Como poucos, você conseguiu conciliar teatro, cinema, tv e dublagem. Participou de várias produções como a recente minissérie “Dois Irmãos”, com direção artística de Luiz Fernando Carvalho. Como foi participar da série? Como se deu o convite?
Eu faço bastante televisão mas como eu foquei minha carreira na dublagem, eu acabei dedicando meu tempo, minhas energias, minhas noites, meus dias para a dublagem. Então nunca busquei muito a televisão. Mas eu conheço muita gente, entrei muito em cartaz com espetáculos e as pessoas me conhecem e eventualmente vem convite, sim. E sempre que vem eu dou meu jeito e faço, porque eu adoro fazer televisão. E nesse caso foi assim: quando eles estavam fazendo o casting da minissérie “Dois Irmãos”, do Luiz Fernando Carvalho, eles precisavam de atores com o meu perfil específico de família libanesa. E o meu nariz e meu “physique du rôle” mostravam isso, e um produtor de elenco, que já conhecia meu trabalho da vida teatral, lembrou de mim e falou para o Luiz Fernando. Foi delicioso! Uma minissérie daquele porte, com o Luiz Fernando Carvalho, dentro do Projac. Todo aquele processo meses antes: fiz aulas de dança árabe, aulas de árabe, expressão corporal… É o tipo de processo que todos nós atores gostamos!
Tempos atrás, Jô Bilac escreveu o espetáculo “Popcorn” para você e a atriz Maria Maya. Como foi essa experiência de atuar num espetáculo escrito e pensado para você?
Nunca tinha acontecido na minha vida isso: um escritor escrever uma peça pensando em mim para o papel principal. E foi justamente com o Jô Bilac, que é o maior escritor contemporâneo que nós temos para teatro. Foi um baque (positivo, porém um baque) quando ele me falou. Eu diminuí um pouco o ritmo da dublagem para ensaiar. Nós nos apresentamos no Rio de Janeiro, São Paulo e sul do Brasil. A experiência de trabalhar com o próprio autor (ele também dirigiu e foi escrevendo o restante da peça durante os ensaios), todo o processo foi riquíssimo: o papel tinha sido escrito para mim, ele estava nos ensaios e durante os ensaios ele escrevia o restante da história. Foi enriquecedor não só como atriz mas como pessoa também. O que eu vivi nesse processo me melhorou muito enquanto atriz, com certeza.
Você foi mãe jovem e é mãe de duas meninas (Iris, 14 anos e Luiza, 22). A Luiza inclusive já ingressou no mercado de dublagem e está regularmente em cartaz com peças de teatro. Foi difícil conciliar a carreira de atriz/dubladora com a função mãe/educadora?
Toda mãe sabe que não é fácil ser mãe e trabalhar fora. Eu tento trabalhar a culpa para que ela não exista. Eu me melhorando enquanto pessoa, fazendo o que eu gosto, trabalhando, eu me melhoro enquanto mãe. Eu sou uma pessoa melhor para elas. Isso é uma busca eterna. Eu preciso do meu trabalho para me fazer bem. Meu trabalho me faz inteira. E elas precisam de uma mãe inteira, feliz, progredindo.
Como foi lidar com a escolha da sua filha, Luiza Cezar, de ser atriz?
Foi tranquilo para mim quando a Luiza veio me falar aos prantos que não queria tentar vestibular para Medicina e que queria tentar Artes Cênicas. Ela estava desesperada porque tinha escolhido isso e queria saber a minha reação. Eu também escolhi isso pra viver… E com relação as incertezas, as inseguranças e medos financeiros, isso ela teria em qualquer profissão. Olha o país em que vivemos! Ser médico ou advogado, não garante que você será bem sucedido. Mas se você for uma atriz porque entende isso como missão de vida, as coisas vão acontecer. Aí a Luiza passou para Direção Teatral, hoje faz Martins Penna, é dubladora… Continua estudando muito porque faz musical. Então faz aulas de canto, dança, etc. E vive disso! A coisa mais gratificante para mim enquanto mãe é ver a Luiza Cesar crescendo enquanto profissional. Ela vive das escolhas dela. Tem coisa mais gratificante que isso?
Hoje voltamos a falar mais abertamente sobre empoderamento feminino e sobre todas as expectativas sociais reservadas a mulher: casar, ter e criar os filhos, etc. Revisando esses últimos vinte anos de trabalho, podemos dizer que você é uma mulher bem sucedida. Como você lida com essas expectativas e como elas dialogam com a sua carreira?
O empoderamento feminino eu já vivencio na minha vida há muito tempo, não é de agora. A minha expectativa para a minha vida é sempre evoluir. Não existe retrocesso na minha vida, seja emocional, maternal, financeiro, profissional. E na dublagem a mesma coisa. Eu sempre falo que a dublagem foi a minha melhor escolha. Isso não significa que eu sempre tenha que ser aquela dubladora que dubla nos mesmos estúdios ou que tem uma mente muito cartesiana. Essa minha busca pela evolução, pelo meu empoderamento, pelo empoderamento das minhas filhas, dos meus alunos; eu passo essa mensagem adiante. Para nos livrarmos dos medos, das culpas e seguirmos a vida dando o melhor, seguindo nossa intuição. E eu levo isso para dublagem. Hoje eu moro em São Paulo. Eu não sei onde eu estarei morando daqui a seis meses. O que eu busco é minha evolução e onde eu serei feliz nesse momento. Eu acabei de abrir a Sociedade Brasileira de Dublagem com a minha esposa (Rayani Immediato, dubladora). Foi também uma busca pela evolução.
Como surgiu a ideia de fundar a Sociedade Brasileira de Dublagem?
A Sociedade Brasileira de Dublagem nós abrimos recentemente. A nossa missão é melhorar o mercado de dublagem. A vida inteira a gente ouve falar de traduções ruins ou dubladores mal preparados. E, como eu adoro dar aula e a Rayani é dubladora e tradutora, a gente decidiu formar a Sociedade Brasileira de Dublagem que é uma empresa de ensino. A gente quer melhorar esse mercado do qual eu me orgulho tanto. A gente quer formar excelentes dubladores e tradutores. E fazer com que os alunos entendam o que é a melhor experiência da dublagem, como essa é uma categoria séria, competente, guerreira e que faz um trabalho especializado. Eu sempre falo que a dublagem é a especialização da especialização. É o trabalho do ator extremamente especializado. É uma arte muito maior do que as pessoas geralmente pensam. E todas as pessoas envolvidas nesse processo: o tradutor, o dublador, o diretor, os estúdios, quem faz a adaptação, quem faz o close caption… A nossa paixão pela dublagem nos movimentou para abrir a Sociedade Brasileira de Dublagem com a missão de formar todas as pessoas envolvidas no processo da melhor dublagem do mundo, que é a dublagem brasileira.
Por Thiago Pach
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