O ano de 2016 passou. Um ano especialmente triste em que perdemos grandes figuras do cinema, entre elas Carrie Fisher. Fãs antigos e novos demonstraram profundo pesar e surpresa diante da morte repentina de Carrie, vítima de um ataque cardíaco. As redes sociais se encheram de mensagens que exaltaram seu papel na franquia de ópera espacial Star Wars onde Fisher ficou conhecida como a destemida e espirituosa Princesa Leia. Mas além dos coques laterais, do sotaque inglês que ia e vinha, para além do título de princesa e ícone da cultura geek, quem era realmente Carrie Fisher?
[ironia] Ao contrário do que se pode imaginar olhando as imagens recentemente associadas aos artigos sobre a morte de Carrie, ela não morreu com 19 anos e muito menos usava com frequência o famoso biquíni de bronze. [/ironia] Carrie morreu no auge dos 60 anos, depois de uma vida inteira criticando a indústria do cinema e a importância dada à aparência. Carrie foi dependente de remédios e drogas e conviveu com a bipolaridade. Ela enfrentou com coragem e de forma ousada uma vida de fama que a testou até o último ano.
Não é condenável lembrarmos de Fisher através da Princesa Leia – seu papel mais reconhecido. Fazer isso ocorre naturalmente a partir do momento que somos ensinados e ensinadas à admirar principalmente a beleza e a sensualidade feminina. E por mais que nem mesmo Carrie condene seu papel em Star Wars é mais interessante lembrarmos dela como a mulher que tinha diversas críticas à Leia e à indústria cinematográfica.
“Não seja uma escrava como eu fui. Lute contra aquela fantasia”
(Conselho dado por Carrie à Daisy Ridley, protagonista de Star Wars: Episódio VII – O Despertar da Força, a respeito do biquíni de bronze)
Para viver seus papéis, Carrie sempre teve que lidar com exigências que muitas vezes envolviam perda de peso, e sobre isso ela dizia:
“Eles sempre me pedem para emagrecer, eles não querem me contratar por inteira. Eles querem contratar só 3/4, então eu tenho que me livrar deste 1/4 de alguma maneira. Este 1/4 não pode estar comigo”
(“The fourth can’t be with me” uma clara alusão a frase emblemática may the force be with you)
Se isso já não fosse o suficiente havia também uma crescente preocupação de seus fãs com sua aparência, que invariavelmente acompanhava as mudanças que o avanço da idade trazia.
“Parem de discutir se eu envelheci bem ou não. Infelizmente isso fere todos os meus três sentimentos. Meu corpo não envelheceu tão bem quanto eu. Dane-se. Juventude e beleza não são méritos. Eles são um alegre produto do tempo e do DNA.”
(“Unfortunately it hurts all three of my feelings” é uma expressão que busca de forma irônica dizer que ela já não possui um número de sentimentos capazes de fazê-la se importar tanto quanto as outras pessoas)
Ao decorrer de sua vida Carrie esbanjou carisma e bom humor ao comentar sobre sua vida, mas muito do que falou evidenciou um lado triste e cruel da fama que ficou muito bem registrado em livros como a autobiografia Wishful Drinking (que se tornou uma série de stand up transmitida pela HBO) e seu mais novo livro The Princess Diarist (onde conta sobre o caso amoroso que teve com Harrison Ford durante as filmagens de Star Wars). Carrie se mostrava engraçada, mas a graça infelizmente estava no fato de que tudo o que dizia era verdade, uma triste realidade que não mudará enquanto não formos capazes de digeri-la da forma correta.
Recentemente o repórter Jorge Pontual, talvez no pior momento da televisão brasileira de 2016, interpretou o personagem Chewbacca lamentando a morte de Carrie Fisher, provavelmente numa tentativa de fazer piada, nunca saberemos. Mais tarde ele, além de não se desculpar, tentou justificar a atitude dizendo que a atriz brincaria com a própria morte. O que o infeliz repórter não foi capaz de perceber é que cada “brincadeira” de Carrie se baseava em críticas extremamente pertinentes como ela mesma fez ao falar sobre esse assunto:
“Eu digo para meus amigos mais jovens, que não importa como eu morra, quero que seja dito que eu me afoguei na luz da lua, estrangulada pelo meu próprio sutiã.”
(alusão à roupa de baixo que foi impedida de usar por George Lucas durante as gravações de Star Wars, pois de acordo com ele: “Não existe sutiã no espaço”)
Lidas no contexto correto, nenhuma das suas declarações deixa dúvida que Fisher enfrentou problemas durante toda sua carreira. Seu sarcasmo e inteligência refletiam um caráter forte e a atriz dizia que seu papel como Princesa Leia havia, com o tempo, moldado sua personalidade. Mas depois de quase 40 anos o que parece ter acontecido foi o processo inverso, onde a personalidade de Carrie pode facilmente ter sido responsável por moldar a Princesa Leia em General Organa, líder da Resistência vista em Star Wars: O Despertar da Força.
Talvez seja bonitinho lembrarmos de Carrie como uma princesa, mas com certeza é mais interessante lembrarmos dela como uma mulher de carne e osso, com defeitos, qualidades e que esbanjava muita força.
Por Raoni Vidal
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