Assim como as diversas artes narrativas, as Histórias em Quadrinhos possuem diferentes gêneros, desde os conhecidos Heróis, Infantis, Terror e Comédia até subgêneros que misturam conceitos variados. Cidade das Águas é um destes casos, já que se apropria de elementos de diversos gêneros para criar uma história que se mistura com uma crítica social aberta a respeito de uma questão muito atual.
A inusitada HQ criada por Olavo Rocha e Guilherme Caldas parte da adaptação de uma peça de teatro que por sua vez aborda um tema de suma importância para a cidade de São Paulo: o tratamento dos recursos hídricos diante da urbanização. A maior metrópole do país foi fundada próxima a três grandes rios que existiam na época. Além destes, São Paulo ainda possuía diversos outros rios que foram retificados, como o Pinheiros e o Tietê. A partir da década de 1920 o prefeito Prestes Maia iniciou um projeto intenso de canalizar os rios em São Paulo para dar lugar a ruas, avenidas e bairros. O projeto foi implantado mesmo com a oposição de Saturnino de Brito, engenheiro sanitarista que criou um documento com melhoramentos para o Rio Tietê (nunca implantado) e que alertou para a importância da conservação da águas na cidade. Não por acaso, as áreas da cidade que enfrentam recorrentes problemas de enchentes e inundações, correspondem ás áreas de várzeas destes rios canalizados e retificados.
Para alertar a respeito dessa afronta ao desenvolvimento sustentável, Marcos Gomes escreveu uma peça de teatro intitulada “Origem-Destino”. Utilizando uma narrativa lúdica e interativa ao mesmo tempo, ela foi encenada nas ruas de São Paulo em meados de 2012. Nela os atores partiam da Praça da Sé e percorriam o trajeto dos diversos rios soterrados sob a cidade e chegavam até a região de Santo Amaro, na Zona Sul, utilizando caminhadas e ônibus.
Dada a complexidade tanto da peça quanto do tema, fica claro que o desafio dos autores de Cidade das Águas não era pequeno. E a solução não foi nada trivial. A HQ segue a premissa da peça de teatro, onde personagens tipicamente paulistanos (o imigrante, o mendigo da Praça da Sé, o empresário rico, a trabalhadora da fábrica) de diversas épocas são os protagonistas desta viagem insólita. A narrativa criada por Olavo Rocha utiliza uma linguagem ora surreal, ora poética e no meio disso vai inserindo muitas referências. Neste ponto a HQ é muito rica e demonstra um extenso trabalho de pesquisa prévia. As referências são diversas, desde pontos da cidade até fatos históricos e detalhes sutis que somente poucos paulistanos vão reconhecer. De início esse estilo pode soar um tanto estranho, mas vai ganhando fluidez conforme a história se desenrola.
A riqueza narrativa infelizmente não se reflete tanto nas artes de Guilherme Caldas. O estilo adotado parece genérico, sem uma identidade forte que remeta à urbanização ou a algum elemento conceitual de uma história tão forte. As artes em si são boas: traços dos personagens bem executados, tem um bom trabalho de hachuras e o uso interessante de retículas, mas carece de uma estética mais coerente com a trama.
O mérito de Cidade das Águas está realmente na ousadia de transpor para os quadrinhos uma peça de teatro bem fora do convencional. Além disso, ela não se limita a apenas contar uma história qualquer, mas traz uma mensagem muito importante sobre um assunto onde temos vivenciado problemas sérios, como a crise hídrica de 2015. O projeto foi viabilizado com apoio do ProacSP, podendo inclusive se tornar material paradidático com distribuição em escolas.
Cidade das Águas
Editora: HQ Pólen Livros
Roteiro: Olavo Rocha
Arte: Guilherme Caldas
Formato: 17 x 25 cm
Páginas: 68
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