Um dos primeiros marcos do cinema italiano foi o neorrealismo, um estilo que visava capturar as condições precárias das classes mais baixas pós-Segunda Guerra. O movimento morreu na década de 50, mas a sua influência se mantém presente até hoje, como exemplificado por “Ciganos da Ciambra”, o segundo filme do diretor italiano Jonas Carpignano. Um tipo de continuação sutíl para o seu trabalho anterior, “Mediterranea” (2015), a produção busca mostrar, através de uma ficção com um sombrio aspecto de veracidade, a vida de um jovem em uma periferia na região da Calabria, no sul do país. Objetivo que alcança de maneira efetiva e melancólica.
A produção se passa no município Gioia Tauro, onde existem vários grupos étnicos: os romani, os refugiados africanos e os italianos locais. É nesse cenário que é apresentado o protagonista Pio (Pio Amato), um adolescente de 14 anos que mora com a sua numerosa família em uma comunidade cigana e que idolatra o seu irmão mais velho, Cosimo (Damiano Amato), que ganha dinheiro realizando furto de carros para uma máfia local. Quando, em uma operação policial, tanto Cosimo quanto seu pai são presos, Pio se sente na obrigação de prover para sua família em seu lugar, e decide continuar o trabalho que faziam, com a ajuda de Ayiva (Koudous Seihon), um refugiado de Burkina Faso.
Com produção executiva de ninguém menos que Martin Scorsese, não é surpresa que o longa consiga captar muito bem o lado mais “sujo” e obscuro do país, o que também é crédito da excelente fotografia. Geralmente quando se pensa em Itália, se imagina paisagens deslumbrantes e vivas, mas o trabalho de Tim Curtin busca expressar justamente o oposto: o fotógrafo capta ambientes de modo mais sombrio, com alto contraste, e até mesmo os planos gerais com belos cenários se tornam melancólicos com o uso de tons mais neutros e frios.
Também é destaque a direção de Carpignano, que busca retratar as situações de maneira real, com o uso predominante de câmera na mão, quase como se fosse um documentário sendo gravado. Ao mesmo tempo, o diretor também aborda a trama com um olhar intimista, já que toda a produção se passa no ponto de vista de Pio, elemento que os enquadramentos são eficazes em representar: grande parte do longa são close-ups do protagonista e planos nos quais a câmera permanece em suas costas, o seguindo enquanto toma decisões e mostrando a sua visão dos eventos que ocorrem.
Toda a naturalidade que a parte técnica passa seria desperdiçada se ela não fosse igualmente presente em seu elenco, o que, felizmente, não é o caso de “Ciganos da Ciambra”. Como era costumeiro no neorrealismo italiano dos anos 40, a maior parte do elenco não é composta por atores profissionais, o que torna suas “performances” muito mais genuínas. O maior exemplo disso no longa é a gigantesca família de Pio, que é representada nas telas pelos próprios familiares do ator, tornando a sua interação tão real que em momentos dá a impressão de ser um registro documental daquele grupo de pessoas. O próprio Pio Amato não decepciona nas cenas com caráter menos improvisado, passando perfeitamente seus conflitos internos para o espectador. Característica forte nas cenas que estabelecem a amizade com Ayiva, que também contam com uma boa atuação de Koudous Seihon, reprisando seu papel de Mediterranea.
Todos esses aspectos indicam que o longa é uma “história de amadurecimento” (o clássico coming-of-age story) e o roteiro é justamente isso. Escrito também por Jonas Carpignano, ele se preocupa menos em estabelecer uma trama complexa cheia de reviravoltas e se foca mais em retratar o cotidiano de Pio e como ele se relaciona com o ambiente e as pessoas de sua vida. O script evita tanto clichês e cenas óbvias que pode até parecer um pouco anticlimático quando, após tomar uma decisão difícil e crucial no fim do longa, as consequências diretas de tal ato não são vistas. O roteirista também não usa de diálogos expositivos, e muito do que o protagonista faz deve ser entendido somente pelo visual, já que não tem falas explicando. Porém, enquanto esse recurso funciona muito bem durante quase todo o filme, ele também deixa algumas sequências um tanto confusas.
“Ciganos da Ciambra” foi a escolha de 2017 da Itália para concorrer ao Oscar de melhor filme estrangeiro, mas não chegou a concorrer. É uma pena que não tenha recebido nem a indicação, pois é uma produção atual, que retrata a realidade, tanto dos ciganos quanto dos refugiados, de forma bruta e verossímil, e que por mais que não seja um longa muito alegre, é uma boa experiência cinematográfica.
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