O cinema está cheio de histórias de duelos históricos, sejam guerras épicas ou brigas entre poucas pessoas. Mas todas essas histórias para serem bem-sucedidas e prenderem a atenção do seu público, tem que ter bons personagens e é exatamente isso o maior trunfo do documentário “A luta do século”, dois personagens extremamente caricatos que parecem sair de um conto de ficção, mas que na verdade são tão reais e espontâneos que surpreendem tanto o público quanto os documentaristas que decidiram retrata-los.
A história mostra o embate entre dois pugilistas que parecem se odiar desde o final dos anos 80, Reginaldo Holyfield e Luciano Todo Duro. “Holyfield” vindo da Bahia, que já tinha ganhado a vida como estivador e o “Todo Duro”, pernambucano que antes do boxe era jardineiro. Dois atletas que tem origens humildes, que exibem marcas de resistência na sua sobrevivência, não só resistentes na vida dentro dos ringues como também fora deles.
O filme começa mostrando o auge da carreira dos dois atletas e como a rivalidade começou, que a princípio era apenas uma questão de competição, na ânsia de subir o ranking de lutadores do boxe e disputar um possível título mundial. Mas tanto um quanto o outro ficou no “quase” e nenhum conseguiu alcançar a posição que tinham almejado, por conta disso parece que um viu no outro a chance de descontar a frustração de todas as coisas que poderia ter sido, então quando eles marcaram o primeiro embate, não foi apenas o caso de mais uma luta, um circo foi armado, cheio de provocações.
A narrativa do filme é feita por várias imagens e reportagens de arquivos, contando os antecedentes dos personagens e depois mostra a equipe acompanhando o dia-a-dia dos dois pugilistas que já passaram dos 50 anos cada um. O roteiro evidencia as semelhanças entre os dois rivais, não só suas origens, mas também a ação que o tempo teve no corpo e na cabeça de cada um deles reflexos mais lentos, carreira minguando aos poucos, dificuldades para se sustentar, dentre outras coisas.
O filme é cheio de momentos cômicos as cenas por mais inesperadas que sejam, como brigas em links ao vivo em telejornais, fazem a plateia gargalhar, mas a narração que segue esses momentos insiste em fazer o espectador refletir, mostrando que não parece se tratar apenas de uma provocação qualquer para promover uma luta e gerar audiência para o duelo, mas também tudo aquilo é fruto da forma de agir de duas pessoas que podem se odiar mesmo não sabendo a razão propriamente dita para aquilo.
A trilha sonora também tem um papel de destaque em tudo isso, ela pode vestir o que está sendo mostrado nas imagens em certos momentos e ajudar a quem assiste a embarcar em tudo aquilo que é mostrado, mas também há cenas que conseguem também distanciar o público da história, para que o mesmo possa refletir sobre o que está sendo visto, usando por exemplos, baladas lentas tocadas em violão enquanto golpes são desferidos no ringue. Essa influência brechtniana acabou caindo como uma luva para o filme.
“A luta do século” é um ótimo documentário, que pode ter o trunfo de ter uma história com personagens marcantes que chamam a atenção das pessoas. Mas a direção e o roteiro fazem o filme ir além de ser apenas um filme mediano, a forma que a direção foi feita consegue fazer sua audiência realmente analisar toda aquela situação e pensar sobre os lutadores, mesmo depois de gargalhar das pérolas que são ditas pelos mesmos. Esse não é um filme que morre quando acaba, porque as vozes e os socos que são mostrados continuam ecoando na cabeça de quem o assiste, quase que da mesma forma que as lutas de boxe marcaram os corpos de Reginaldo Holyfield e Luciano Todo Duro.
Por Fernando Targino
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