Baseado no livro de investigação da jornalista Caroline Michel-Aguirre, “A Sindicalista” chega ao Brasil neste dia 29 de junho com trama potente e claustrofóbica sobre a história real de uma mulher que viu perder tudo após denunciar um escândalo de corrupção na indústria nuclear francesa. Confira nossa crítica, sem spoilers, abaixo.
“Se eu não estiver mais aqui”
“La Syndicaliste” acompanha Mareen Kearney, uma sindicalista que atua defendendo os direitos de trabalhadores do setor nuclear na gigante Areva. A vida de Kearney gira em cento e oitenta quando ela descobre documentos que revelam um plano de transferência de tecnologia nuclear para a China, e que haveria de ameaçar seriamente o abastecimento de energia na França e o emprego de milhares de trabalhadores no setor.
A partir daí, Mareen sofre com agressões veladas e explícitas, ameaças que culminam em uma invasão em seu domicílio e, ao fim, que sua denúncia se volte contra si, sendo ela acusada de denunciação caluniosa em um humilhante e desgastante processo.
É possível que o telespectador estrangeiro não esteja familiarizado com o escândalo nuclear francês que estourou em 2012, mas a angústia compressora retratada por Huppert não deve passar batida pelo telespectador, e faz com que as duas horas de filme sigam, na maior parte, ligeiras, mas não menos tortuosas.
O longa não segue, todavia, o caminho de produções que preferem explorar a violência crua como forma de denúncia — diluindo-se, ou pior, perdendo-se a mensagem no meio do caminho — o que é chamado por alguns de “violence porn“, e esse é outro mérito do filme, que a todo momento está tratando com violências físicas e psicológicas, mas não apela para o gore como recurso de choque.
Não de se estranhar que quem conhece a história por outras mídias há de enxergar que a retratação do caso, apesar de assertiva, poupou detalhes para o telespectador — alguns dos quais poderiam ser interessantes na construção climática — como nota a própria Maureen Kearney, a real, em algumas entrevistas — se você ficou horrorizado, o buraco é mais embaixo.
Assistindo com atenção, não são poucos os jogos de câmera que apequenam e brincam com a sensação da protagonista estar rodeada por homens, olhada de cima para baixo, e sendo questionada a todo tempo — inclusive por mulheres — sobre sua vida pessoal, a história da “boa vítima”, quando por exemplo o magistrado é representado quase que angelical, porém ironicamente perverso.
Por outro lado, é preciso tocar no vespeiro; “A Sindicalista” é um ótimo filme, mas tem um quê de maniqueísmo, e que isso não se leia como uma apologia aos agressores, pelo contrário: a abordagem do longa segue por um caminho a monstrificar os algozes como uma caricatura de psicopatas de sangue-frio, quando o grande horror da questão é que são pessoas comuns capazes das maiores atrocidades, e estão por toda a parte vivendo suas vidas — como que a maior parte das violências sofridas por mulheres, no Brasil, partem daqueles que são próximos a elas. Estou falando especificamente de Brémon, interpretado por Pierre Deladonchamps e que poderia ter sido escrito como um vilão do Manoel Carlos dos anos 2000, o que não chega a ponto de atrapalhar o saldo positivo da obra.
Isabelle Huppert, diva do cinema francês, não está em seu papel mais feliz (ademais, que caracterização incrível!), mas isso não quer dizer que não sustente bem a missão atribuída, o que podemos questionar se não está relacionado à direção. Os demais atores, elenco de peso vale dizer, não deixam para pouco, ainda que em papéis de menor destaque, como Marina Foïs e sua participação tímida como Anne Lauvergeon.
No saldo final, “La Syndicaliste” é um filme que vale a pena conferir. Não se trata de uma ideia artística fácil (com todas as questões morais envolvidas), mas que a direção conseguiu transportar para as telas com sensibilidade e tornando a trama mais compreensível — porém não esvaziada — ao público.
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