Pouco antes do casamento de Meg (Emma Watson), filha mais velha do clã March, sua irmã Jo (Saoirse Ronan) tenta convencê-la de fugirem juntas, deixando para trás o destino de mãe e esposa reservado para as mulheres do século XIX, em busca da realização de seus sonhos artísticos e profissionais. Porém, quando a primogênita recusa a oferta e afirma que seu sonho, de fato, é ter uma família e se casar com o homem que ama, Jo, apesar de decepcionada, compreende a decisão da irmã e lamenta: “não acredito que minha infância acabou”. De maneira geral, essa frase pode ser entendida como o tema que permeia toda a obra de Greta Gerwig, na qual, seja em obras 100% autorais (o ótimo “Lady Bird – A Hora de Voar”) ou em colaborações (“Frances Ha” e “Mistress America”, dirigidos por Noah Baumbach), protagonistas femininas são confrontadas com a necessidade de entender que a juventude, por melhor que seja, deve ser apenas uma etapa da vida, e não a regra que deve regê-la ad eternum. Nesse sentido, “Adoráveis Mulheres” é um projeto ideal para as preocupações de Gerwig – pena que o resultado não é tão bem-sucedido quanto seus trabalhos anteriores.
Adaptação do famoso romance de Louisa May Alcott, levado às telas inúmeras vezes anteriormente (as mais conhecidas sendo as versões de George Cukor e Gillian Armstrong, de 1933 e 1994, respectivamente), o novo filme de Gerwig sofre de uma sensação de déja vu constante. Apesar da roteirista e diretora incorporar à obra de Alcott uma nova estrutura, baseada em flashbacks, reiterando as maneiras com que novas gerações de mulheres continuam alguns comportamentos de suas antepassadas, ao mesmo tempo em que questionam outros, no geral, “Adoráveis Mulheres” é um filme previsível em diversos aspectos.
A começar pelo elenco que, em sua maioria, apenas interpreta tipos que já representaram inúmeras vezes antes em longas melhores. Apesar de ser uma ótima atriz, e ter um desempenho bastante satisfatório aqui, Saoirse Ronan basicamente repete a “jovem em filme de época” que, salvo algumas alterações aqui e acolá, já virou quase sinônimo de sua carreira cinematográfica. Em um caso semelhante, chega a ser irritante ver Timothée Chalamet personificar pela enésima vez em aproximadamente três anos o mesmo “galã rico e pedante, mas de bom coração”. Tudo se torna ainda mais decepcionante ao lembrar que Gerwig, em seu longa anterior, utilizou os mesmos atores em personagens que efetivamente desafiavam a sua percepção junto ao público (Ronan em um papel contemporâneo e Chalamet sendo um completo canalha). No final das contas, quem mais se beneficia disso são as atrizes em ascensão Eliza Scanlen e, em especial, Florence Pugh, escaladas em papeis diametralmente opostos aos de seus trabalhos de maior repercussão (a minissérie “Objetos Cortantes” e o longa “Midsommar – O Mal Não Espera a Noite”, respectivamente).
Além disso, apesar de ser um filme bastante alinhado às discussões feministas em voga atualmente, “Adoráveis Mulheres” apresenta essas questões de forma óbvia, didática até, fazendo uso de frases de efeito e pouco acrescentando ao debate corrente. Talvez sirva como uma boa porta de entrada ao assunto, mas rapidamente a estratégia torna-se enfadonha e repetitiva, apesar de bons momentos espalhados ao longo do filme, como quando Amy (Pugh) confronta Laurie (Chalamet) sobre o caráter econômico do casamento e a dificuldade dos homens em enxergar isso, uma vez que é muito mais fácil para eles se tornarem financeiramente independentes em uma sociedade patriarcal; ou quando a mãe interpretada por Laura Dern confessa a Jo como ela aprendeu a controlar a sua raiva depois de 40 anos sendo obrigada a escondê-la.
No final das contas, “Adoráveis Mulheres” não chega a ser uma obra ruim, mas é definitivamente frustrante em relação às outras criações de sua realizadora. É um filme que apresenta elementos característicos dos projetos de Gerwig, ao mesmo tempo em que os tolhe, fazendo dele um longa em frequente conflito interno. O ritmo ágil, que geralmente serve tão bem ao texto de sua roteirista, aqui o atropela, como se quisesse apresentar o maior número de situações em pouco tempo; ainda assim, curiosamente, se arrasta por mais de duas horas e tenta disfarçar isso com uma trilha sonora incessante, cortesia de Alexandre Desplat. O otimismo e a jocosidade tipicamente “gerwiguianas” se fazem presentes (especialmente no interessante terceiro ato), porém, como um todo, parecem lutar com os figurinos pomposos e as convenções sociais de uma obra de época. “Adoráveis Mulheres” vale como uma tentativa de Greta Gerwig em levar a sua voz para uma realidade diferente daquela da burguesia nova-iorquina ou do subúrbio californiano contemporâneos (o que não deixa de ser uma forma de superar a sua “infância”), entretanto fica a torcida para um resultado melhor da próxima vez.
Imagens e vídeo: Divulgação/Sony Pictures
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