“- É só um hotel.
– Parece o paraíso.”
Ferido, um jovem se senta sobre uma cama de hotel. Teme que aqueles possam ser seus últimos momentos. Resolve, então, ligar para o pai. Viciados pelas convenções do cinema comercial, os olhos do leitor imaginam uma vítima do “Atentado ao Hotel Taj Mahal”. Para a sua surpresa, trata-se, de fato, de um dos perpetradores.
Interrompendo a ação violenta, a conversa enriquece a personagem. Longe de causalidades unívocas, desvela-se uma complexa realidade social. Envolver-se com o atentado, para além dos ideais revanchistas, traduz-se como o vislumbre de condições outras – não para si, já que o sacrifício é tão coletivo quanto pessoal, mas para os familiares, a quem se prometeu recompensa financeira.
Em vez do esteriótipo dos árabes malvados – título, por sinal, de um interessante documentário -, manifesta-se, portanto, uma fina ironia. Na ficção histórica do australiano Anthony Maras, caricaturais são os brancos. Vasili (Jason Isaacs), o russo, David (Armie Hammer), o estadunidense, e Eddie (Angus McLaren), o australiano: a apresentação de cada um desses homens muito revela sobre a reversão em jogo.
Minutos antes da invasão terrorista, Vasili e David jantam no luxuoso restaurante do hotel. O primeiro, misógino empresário, folheia imagens de mulheres enquanto vocifera, ao telefone, perguntas sobre seus mamilos. Por sua vez, o segundo, em um lapso de memória, ordena um cheeseburger ao garçom. Ainda fora do hotel, por último, o australiano Eddie contesta o valor cobrado em uma lanchonete.
Em comum, transparece nos turistas patente oportunismo. Se um aproveita-se da miséria para explorar a prostituição, os demais tentam se valer da máxima “o cliente tem sempre razão”. Falaria Eddie a verdade ao negar ter comido tal prato? Como David, um recorrente hóspede, não se lembraria da sacralidade da vaca? Mais que mero desconhecimento, trata-se um de desrespeito à cultura local – e tudo bem, já que “o hóspede é deus”.
Garçom do hotel, Arjun (Dev Patel) se atrasa. A babá faltou, e ele precisa correr para deixar a filha com a esposa. Não percebe, assim, durante o caminho, a perda de um sapato, indispensável parte de seu uniforme. A manutenção do emprego depende, então, de uma súplica, seguida pelo empréstimo do calçado adequado.
Muito menor que seus pés, o par disponível demanda violência para neles caber. Essa violência física, disposta em primeiro plano, acompanha outra, esta de ordem simbólica. Ao fundo do quadro, imagens do atentado interrompem a artificial propaganda televisiva do hotel. Entende-se, nessa sequência: o verdadeiro terrorismo é o das imagens.
Tal crítica metalinguística não seria possível, contudo, sem um apurado trabalho visual. Por um lado, a fotografia de Nick Remy Matthews (“The Chaperone”) contrasta os tons sépia dos exteriores à multicolorida suntuosidade do hotel. Por outro, a montagem, a cargo do próprio Maras, em parceria com o mais experiente Peter McNulty (“O Mestre”), alterna com constância a violência “de fora” e o refinamento “de dentro”. Há, ainda, os brilhantes planos de multidões aglomeradas ao redor da televisão, cujas notícias – sempre estrangeiras – exploram como entretenimento a desgraça de outrem.
A radicalização da proposta é tanta que, em última instância, “Atentado ao Hotel Taj Mahal” converte-se ele mesmo em um espetáculo da violência. Para tanto, esquece a vergonha e usa e abusa de clichés do gênero: inserções de localização espacial e temporal, imagens de arquivo texturizadas, cartelas finais sobre o destino dos envolvidos, bem como, é claro, uma mensagem final de superação. Infelizmente, muitos entenderão essa sem-vergonhice como opção pelo convencionalismo. Uma pena. Ela é, antes de tudo, uma enorme ironia às práticas exploratórias.
* O filme estreia dia 2 de maio, quinta-feira
Fotos e Vídeo: Divulgação/Imagem Filmes
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