É uma grande tristeza olhar no horizonte e ver todos os grandes problemas que há para se realizar produções nacionais. A falta de apoio de parte da sociedade em relação a arte (seja essa qual for) em comunhão com os desgovernos na cultura que nos apresentam um futuro sombrio. Contudo, é nos momentos de dificuldades que a arte pode encontrar a sua maior arma: a criatividade. E assim temos frutos de qualidade.
A nova série da Netflix, “Bom Dia, Verônica”, é outro exemplo de que o audiovisual nacional pode muito mais e precisa se arriscar por caminhos fora do lugar comum para alcançar e conquistar novos públicos e, quiçá, o mundo.
Baseada no suspense policial homônimo de Raphael Montes e Ilana Casoy, a série da Netflix acompanha a escrivã Verônica Torres. Uma jovem, que traz consigo alguns traumas do passado e acaba envolvida em uma trama de mistérios, onde não pode confiar nem mesmo em seus companheiros da polícia. A medida que Verônica adentra no submundo de sujeiras, enquanto investiga um policial corrupto que agride sua mulher e comete assassinatos, ela acaba colocando a própria vida e a de sua família em risco.
A primeiro momento, “Bom Dia, Verônica” não estabelece muito bem a sua história. As passagem se apresentam confusa e os diálogos soltos. Contudo, ao tempo que as peças se estabilizam, a história também encontra os eixos nos quais segue daí em diante. Com isso, temos os episódios iniciais mais fracos e posteriormente a história ganha densidade e nos colamos imerso ao desejo de justiça e também tensos em relação aos acontecimentos. Sem poupar em violência, o seriado traz momento que beiram ao gore. Não por acaso, a classificação é para maiores.
Em questões técnicas, chamam a atenção direção, fotografia e a direção de arte. Há uma opção por câmera na mão a quase todo momento, o que reflete em imagens inquietas, que vão de encontro as situações tensas que passam os personagens, transparecendo em momentos o medo da vítima, a inquietude da investigadora e o desejo mórbido do antagonista. Em muitos momentos a imagem fica sob a visão dos personagens, trazendo para o espectador o sentimentos de angustia sob aquilo que ele está presenciando, principalmente em cenas mais pesadas. Já a fotografia e a direção de arte criam arranjos para os diferentes cenários por onde a série caminha. Podemos notar o que o cenário e as cores querem passar ideais, por exemplo na casa de família, com tons leves, e artigos que se combinam, disfarçando toda violência e terror por traz da vida naquele local. Com isso o mundo azul fica apenas naquelas paredes, em contra ponto ao local onde as atrocidades são cometidas, um porão escuro e sombrio. Já a delegacia tem o aspecto cinzento, incomodo, que reflete a sujeita inerente aquelas paredes.
O roteiro traz diálogos que patinam. Algumas passagens são muito boas, trazem realmente nuances relevantes. Mas grande parte dos diálogos são clichês ou pouco elaborados, a ponto de já imaginarmos o que o personagem vai falar. Apesar de a série crescer junto com os episódios muitos personagens funcionam mais como ancoras e acabam subdesenvolvidos na trama. Conhecemos sob a ótica de Verônica (Tainá Müller), o que sabemos sobre quase todos eles, o que é pouco para entender suas motivações. Mesmo assim, é deixado um arco grande para ser trabalhado na próxima temporada – já que mesmo os personagens podem ser aprofundados, e os mesmos deixaram a aparência de que são interessantes.
Um fato é que as atuações Tainá Müller, Camila Morgado e Eduardo Moscovis é o grande trunfo da série. Mesmo parecendo um pouco desconfortável inicialmente, Muller cresce junto com os episódios e a sua personagem e termina muito bem a temporada, além de possuir uma mudança radical que traz expectativas para a continuação. Enquanto isso, vivendo uma personagem completamente oposta a de Tainá, Camila Morgado, consegue transparecer os dramas de uma mulher que sofre diversos tipos de violência, vê-se um olhar profundo e o aspecto de medo constante na sua feição. Já Eduardo Moscovis não esboça sorrisos, frio e manipulador, provavelmente causou muitas repulsas nos espectadores da série pela frieza e maldade que ele consegue emanar com seu personagem.
Contudo, o melhor aspecto de “Bom Dia, Verônica” está nas pautas sociais abordadas na série: corrupção, injustiça, e principalmente a misoginia com a violência contra mulher. Há um trabalho bem elabora para trazer a tona as formas prática dessa violência. Essas, são abordadas sob a perspectiva delas, mostrando como as mesmas reagem, o porque denunciam ou não denunciam e por quais formas costumam se dominadas pelo agressor. E, do outro lado, a história adentra por traz da mente perturbadora do agressor, dos seus métodos de agressão, que vão do físico ao psicológico – com ameaças, chantagens, estupro e outros. Aqui, o conteúdo é utilizado em forma de alerta para mulheres que passam por situações similares. Enquanto a questão da corrupção é abordada como já à conhecemos, onde uma teia é montada dentro de vários poderes para agir contra a população e pelo bem próprio dos corruptores. A diferença é que a série cria a própria espécie de seita fictícia, que entra dentro dos poderes para corromper. E a injustiça fica escancarada pelas diante de situações específicas.
Por fim, apesar crescer entre o episódio inicial e o final, “Bom Dia, Verônica” possui um embate morno entre protagonista e antagonista no principal confronto que encerra a primeira temporada. Com algumas escolhas erradas, toda a cena soa artificial e pouco crível. No entanto, o plot que gera o gancho para a próxima temporada acaba por ser um alívio diante disso, mesmo que o mesmo seja manjado.
Dessa forma, essa nova produção nacional da Netflix, ainda que não seja perfeita, se arrisca em trazer novos campos e é forte quando aborda questões tabus. Vale ressaltar também o protagonismo feminino, que é muito forte aqui e bem empregado na série.
Imagens e vídeo: Divulgação/Bom Dia, Verônica
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