Dia 22 de dezembro estreia um filme que é quase um presente de natal para quem aprecia histórias comoventes sem perder o senso crítico. “Capitão Fantástico” trata de valores sociais de uma forma linda e humana (e como tal, suscetível a erros).
Trazendo para a carreira de Viggo Aragorn Mortensen mais um sucesso, o longa conta a história de uma família muito peculiar: Ben (Viggo) é pai de seis filhos e vive com eles e sua esposa em meio a natureza, nas florestas do Pacífico Norte. Lá, as crianças e jovens são criados para se tornarem verdadeiramente inteligentes e fortes. São educadas com literatura diversa, com elevado potencial científico e crítico; treinados para sobreviverem em situações limítrofes, para a caça, para a luta, para utilização de armas diversas e, como a sensibilidade também é parte do ser completo, para a música e a meditação. Na relação estabelecida nessa família não existem segredos ou qualquer outra forma de subestimar a capacidade das crianças (seja em relação a forma física, intelectual ou emocional). A relação familiar se estabelece livre de pudores e tabus.
Um determinado dia, porém, por conta de uma situação trágica, Ben e seus filhos são forçados a retornar à cidade e ao convívio com os demais integrantes da família (que, por motivos óbvios, não entendem o modo de vida seguido por eles e tentam de toda as formas convencê-los a retornar). Aos poucos os conflitos culturais se tornam mais precisos e impõem ao expectador uma reavaliação dos conceitos de certo e errado, bom e ruim.
O roteiro descreve de forma inteligente os valores de uma sociedade voltada para o consumo, presa em seus próprios vícios cotidianos e fechada ao que se destoa desse padrão de consumismo desenfreado. O enredo destaca isso na relação entre personagens, mas também traça uma crítica ao sistema educacional estadunidense.
O contraste entre os modos de vida pode ser visto nitidamente através da fotografia Stéphane Fontaine e todo trabalho realizado pelo departamento de som do filme. Ao passo que as cenas em ambientes naturais contam com paisagens lindas, coloração viva, iluminação natural e sons revigorantes (como quedas d’água, pássaros, folhagens), o meio urbano quebra com uma paleta de cores mais modorrenta (especialmente cinza) com os sons típicos das grandes cidades – isso só não se aplica às cenas em espaços residenciais, que funcionam quase como um simulacro nesta atmosfera caótica.O figurino de Courtney Hoffman, que combina com o ar hippie life style do filme, também demarca o contraste, mas, dessa vez, na leitura que os personagens fazem sobre as duas realidades: enquanto na floresta utilizam roupas simples e básicas (ou nenhuma), na cidade vestem-se com roupas mais extravagantes soando, em alguns momentos, quase como um deboche à cultura de adoração à moda que vivenciamos.
O filme consegue despertar diferentes emoções, levando-nos de sorrisos largos às lágrimas em instantes, não tendo um percurso linear (não existe um super ápice de nenhuma das emoções: elas vêm e voltam potentes em momentos alternados ao longo da trama). Isso porque a direção de Matt Ross conseguiu tornar uma relação familiar tão atípica em algo próximo, que em realidade tão ímpar consegue conversar com as relações familiares usuais. Contudo, na liberdade poética, uma das cenas mais emocionantes é, no mínimo, biologicamente impossível (mas não vou me alongar nisso, pois dar spoiler é bem ruim!).
O elenco, em um todo, apresentou um trabalho consistente, passeando com propriedade por uma ambientação desigual. A química entre todos funciona de forma fluída e nos contagia com facilidade.
Em um todo, a obra vem dividindo opiniões ao redor do mundo. Entretanto, na opinião dessa que vos escreve, sem dúvida alguma, trata-se de uma produção delicada que até então tem tudo para se manter na lista dos melhores do ano.
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