O filme “Deserto Particular” de Aly Muritiba, que chega essa semana aos cinemas, é o escolhido para representar o Brasil na corrida do Oscar de Melhor Filme Internacional. Premiado, o longa brasileiro foi ovacionado por 10 minutos em Veneza, levando o Prêmio do Público. Tudo o que conquistou até agora faz jus ao que se apresenta com intensa beleza na tela. Confira a crítica com spoilers:
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“Deserto Particular” é sobre muitas coisas. Coisas importantes e urgentes. Mas o roteiro escrito pelas mãos de Aly Muritiba e Henrique Santos apresenta todas essas coisas de uma forma coesa e poética, mesmo quando facilmente poderiam exagerar no tom. A primeira coisa que fica evidente é a masculinidade, tóxica ou não.
O início do longa na fria Curitiba apresenta o protagonista Daniel (Antonio Saboia), um policial afastado após um erro que teve consequências negativas para a imagem da corporação. Isto, por si só, já reflete uma das questões mais complexas da masculinidade: a defesa da honra, ao qual Daniel é tão apegado que, impossibilitado de a defender como policial, tenta recuperar se dedicando praticamente em tempo integral ao cuidados de seu pai, hoje senil, mas que também foi um policial respeitado.
A baixa expectativa de recuperar seu posto aliada à revelação do relacionamento homoafetivo da irmã, são a mola propulsora para Daniel partir em busca de Sara (Pedro Fasano), uma misteriosa jovem com quem se relaciona virtualmente há algum tempo. Este é mais um tema que emerge sutilmente: a modernidade líquida e suas relações à distância, onde não importa se o que se tem é de fato real. O plano virtual é a existência que pulsa e transpõe para a realidade de Daniel.
A viagem de Daniel a bordo de sua caminhonete revela a empatia e a competência de Muritiba em incorporar todas as nuances de um Brasil plural, e que existe no espaço físico e no íntimo dos personagens. Os ambientes vão mudando de acordo com a jornada do protagonista.
Da frieza enclausurada da casa de Daniel em Curitiba passando por tons quentes e ensolarados incríveis à medida que vai se aproximando do sertão da Bahia, onde está o que ele tanto quer encontrar. Outro grande destaque técnico é a fusão quase completa dos ambientes às cenas e aos personagens, valorizando inclusive sons sutis e cotidianos como barulhos de insetos e arrastar de pés como uma anunciação ao que está por vir.
O encontro assume o protagonismo com a chegada de Daniel ao sertão. Na verdade, encontros. Encontro de Daniel e Sara, encontro de Daniel e encontro de Sara. Dois indivíduos aprisionados no que devem ser e sufocados pelo que realmente são. Daniel, o policial símbolo da honra e da masculinidade que aprisiona um homem sensível em busca de amor, seja quem for.
Sara, por sua vez, é um jovem evangélico e trabalhador protegido por sua avó durante o dia, que se transforma numa bela jovem durante à noite. O encontro entre Sara e Daniel, com todos os intermediários, verdades e mentiras é emocional, sensível e responsável, sem reforçar qualquer polarização no Brasil já muito dividido dos dias atuais.
A construção dos personagens e as excelentes atuações do elenco completam essa grande obra de Muritiba. Minimalista, além dos personagens principais, cabe destaque na narrativa para Fernando (Thomás Aquino), grande amigo de Sara e que tem papel substancial no encontro do casal. Contudo, os pequenos papéis femininos do longa aparecem como a energia sutil que move, que acolhe e respeita.
Todos os personagens representam, à sua maneira, a complexidade social brasileira que oprime, mas também liberta, agride e também conforta. Ao final de “Deserto Particular”, nos desperta um lindo sentimento de esperança de que um indivíduo pode ser livre através dos bons encontros, impactando a percepção social de seus problemas mais enraizados.
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