“Deslembro” é delicado e também bastante corajoso em alguns aspectos. Trata-se de um coming of age diferenciado e específico, retratando a vida cotidiana de uma jovem que retorna ao Brasil com a sua família em meio aos anos 70, depois do surgimento da Lei de Anistia Política. A protagonista é uma menina que mal lembra do seu país de origem, que cresceu na França e que volta ao lar perante um contexto complicado e confuso, que nem ela consegue entender direito. É na fase de seu amadurecimento que o filme vai se norteando, colocando o espectador na mente de alguém que não consegue compreender o que se passa no Brasil, que não concebe o que é a ditadura militar e sua realidade.
Esse é certamente o ponto alto de “Deslembro”. Ao focar num indivíduo que não entende a realidade que a cerca, principalmente em momentos nos quais a protagonista questiona o desaparecimento e morte de seu pai, fica claro o absurdo que foram os anos de ditadura no Brasil. Os realizadores fazem questão de lembrar disso sempre e construindo tal ideia a partir da inocente adolescente que a projeção acompanha. No início, nem ela mesma quer voltar. Reclama e argumenta com os pais mencionando o pouco que sabe sobre a situação dos países da América do Sul em geral e parece não ter dimensão do que ocorria de fato. Eram só nomes, concepções soltas.
Aliás, é interessante como a obra vai colocando em tela os elementos que caracterizam aquele universo mostrado. As cenas iniciais não são muito reveladoras, poderiam ser de qualquer filme voltado para o drama familiar, mas que não ficam somente por aí. Há, por exemplo, o uso inteligente de música dentro da narrativa como quando a protagonista vai visitar a casa de sua avó pela primeira vez. Ela ouve “You don’t know me” de Caetano Veloso, que compõe o álbum “Transa”, gravado e lançado enquanto o artista se mantinha exilado em Londres. Menções a bandas como The Doors e Pink Floyd são pontuais, mas também relevantes para a verossimilhança daquelas situações com a época que pretendia retratar-se em cena. Nesse sentido, há ainda momentos em que cenas de novelas e programas antigos de televisão são utilizados de forma bem dosada e inteligente.
Sagaz, porém sendo demasiado telegrafado em alguns momentos, “Deslembro” é forte retrato de época que se faz essencial na atualidade. Não é forte e nem procura chocar, mas retrata um dos períodos mais sombrios da história do país de forma mais sutil, ao procurar pela visão de uma jovem que caiu de para-quedas naquilo tudo. Ficamos angustiados com a protagonista na medida em que ela deve crescer num ambiente ditatorial tendo pais militantes e nada daquilo parece fazer algum sentido para ela. A câmera na mão, a paleta de cores acinzentada e os diálogos que misturam português, francês e espanhol só tem a fazer sentido dentro do longa. Cru na medida certa e assertivo quando necessário. Pode não ser o melhor filme sobre o tema, mas com certeza é eficaz e é importante para nossa realidade brasileira de 2019.
Imagens e Vídeo: Divulgação/Imovision
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