Com fortes influências do pensamento budista, Wim Wenders nos influência a sermos melhores
Antes de entrar na sessão de “Dias Perfeitos”, me veio à mente o significado de perfeição. Dentro do sentido moderno, a perfeição é aquilo que não possui defeitos, executado com primor. Mas a etimologia da palavra leva a outro sentido. Perfeito é originado do latim “PEFECTUS”, que em uma tradução bem simplória, significa algo como “feito até o final”, onde não resta nada a ser feito. O sentido foi transformado com as vertentes filosóficas que surgiram próximas ao século XVIII. E aos poucos, passamos a atribuir a perfeição somente a aquilo que atingia o máximo grau de qualidade.
Por bem ou por mal, não sabia exatamente sobre o que o filme se tratava. Tudo o que sabia do filme era seu título, e que ele tinha a assinatura de Wim Wenders, responsável por “Paris, Texas”. O que pra mim já era o suficiente para estar completamente instigado em assistir ao longa. Eu sabia que não ia ser só mais um filme comum, mas não tinha ideia do quão especial ele poderia ser.
Durante duas horas, acompanhamos um homem silencioso e sua rotina de trabalho. Ele é funcionário de uma rede de banheiros públicos do Japão, e leva seu trabalho muito a sério. Dentro de seu pequeno furgão, ele carrega os itens de limpeza, e é inclusive questionado por um colega de trabalho pelo seu empenho com aquele serviço. “É só um trabalho, pra quê se esforçar tanto?” E realmente, pra quê tanto empenho se as pessoas iriam sujar o banheiro logo em seguida?
Entre os pontos de limpeza, assistimos pequenas interações do personagem com o seu entorno. Seja com outras pessoas que encontra no caminho, de diversas idades e grupos sociais diferentes; Seja com o ambiente, tirando fotos, escutando fitas cassetes enquanto dirige para casa ou para o trabalho. De forma gradual, nos envolvemos com a vida desse homem, e aguardamos pacientes pelo próximo encontro que irá fazer Hirayama sair um pouco da sua rotina muito bem estruturada.
Premiado em Cannes, Koji Yakusho é excepcional em seu papel
O que antes eram simples casualidades, por vezes até mesmo dotadas de um humor muito singelo, aos poucos tomam dimensões muito maiores. Não por se tornarem complexas, mas sim pela sua natureza extremamente humana. A visão do dia a dia do personagem é passada para nós aos poucos, em um ritmo tão bem compassado, que qualquer pessoa que viva dentro de uma lógica de assalariado vai ser facilmente envolvido pela história que toca em diversos tópicos sensíveis como família, velhice, morte e vida.
Envolvendo toda essa carga sentimental, temos uma cinematografia de encher os olhos. O diretor opta por uma proporção pouco usual, com dimensões mais fechadas, e faz uso excelente da tela um pouco mais “quadrada” que o habitual. Usando da iluminação até mesmo como elemento narrativo, a parceria entre Wim Wenders e Franz Lustig (diretor de fotografia do projeto) resulta em um primor visual.
Outro ponto técnico que merece destaque é a montagem, mas mais especificamente o empenho imposto nas sequências dos sonhos do personagem principal. A equipe encontra espaço para fazer experimentações e não tem medo de explorar os diversos recursos pré determinados pelas cenas anteriores. Como passagens dos livros que o personagem acabara de ler ou pessoas que o atravessaram durante sua jornada.
Ao final, somos deixados com um sentimento melancólico, mas uma fervorosa vontade de enxergar a beleza nos nossos dias mais comuns. E entender que, independente do significado, somos nós que atribuímos a perfeição aos nossos dias, seja vivendo da melhor forma possível, seja simplesmente conseguindo chegar ao final dele.
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Esse Pedro sabe muito, crítica profunda e saborosa, vou seguir pra ler todas!