Crítica: Hortance, A Velha

Terceiro sinal e abrem-se as cortinas: A fumaça vai se esvaindo em meio a um amontoado de cortinas velhas, móveis, sacos de lixo, uma bacia de ferro e tantas outras quinquilharias que nos despertam a curiosidade… Quem habitaria um lugar como esse, que parece ter sido esquecido no tempo? Quase se pode sentir o cheiro dessa casa, desse cabaré, antes tão frequentado por tantos tipos de pessoas e hoje, habitado apenas por sua anfitriã, Hortance, sua irmã Aliquianni e um gambá… Quantas memórias a mente humana é capaz de guardar? E quantas ainda é possível inventar? Entre lembranças, sonhos e devaneios essa personagem vai lhe arrebatar e te apaixonar desde o primeiro despertar.

A atriz, diretora, autora, humorista, cronista e produtora brasileira Grace Gianoukas, mais uma vez, se supera na interpretação e nos faz rir e se emocionar nesse monólogo de Gabriel Chalita com direção de Fred Mayrink. Muito conhecida por seus papéis cômicos como a Mãe no “Castelo Ra-Tim-Bum”, diversas personagens do espetáculo “Terças Insanas” que é sucesso nos palcos e no Youtube e, mais recentemente, brilhando na TV com o papel de Teodora Abdala em “Haja Coração”, essa gaúcha está em cartaz no Teatro dos Quatro no Shopping da Gávea até dia 26 de Fevereiro, com a comédia “Hortance, A Velha”.

Uma comédia, porém com muitas nuances dramáticas que e a atriz realiza com maestria levando o público a muitos momentos de reflexão e principalmente identificação. O espetáculo trata com sagacidade e delicadeza a condição humana, o abandono e solidão da terceira idade e sem dúvida alguma nos leva a reflexão sobre como levar a vida com mais leveza. Essa senhora tira de letra as mazelas da vida, nos dando uma lição de superação e bom humor e mostra que, apesar de tudo, é preciso acolher a nossa humanidade frágil, se livrar daquilo que lhe oprime, buscar sua forma de ser feliz enquanto ainda estamos vivos e enxergar o lado bom da vida.

Com cenografia assinada por Juliana Carneiro e Figurino por Alessandra Barrios temos uma combinação que em nada deixa a desejar e nos ajudam na ambientação do tempo em que vive a nossa protagonista. Hortance coleciona histórias dentro de seu cabaré e nomes notáveis como Shakespeare, Stalin, Che Guevara, Getúlio Vargas, Sartre e Simone de Beauvoir já frequentaram o lugar, assim como tantas outras pessoas, que renderam muitas lembranças. A iluminação, bastante precisa, assinada por Paulo Brakarz é assertiva e ajuda a contar essas histórias e vivências.

O espetáculo é uma verdadeira aula de teatro que recomendo a todos aqueles que estudam artes cênicas, para os amantes do bom teatro e ainda para aqueles que querem se deliciar e divertir com essa divertida comédia.