O submarino nuclear Kursk foi um dos últimos a ter seu projeto desenvolvido e aprovado ainda no regime soviético, em 1990. Com sua construção terminada em 1994 – portanto, após o colapso da União Soviética em dezembro de 1991 –, o Kursk, de certa forma, tornou-se símbolo do último suspiro do “segundo mundo”. Apesar de ser uma embarcação nova, logo de cara, já carregava a herança de uma dinâmica sociopolítica que não existia mais (ou pelo menos não de forma tão explícita quanto antes). Por causa disso, o desastre que lhe acometeu no ano 2000, em que grande parte de sua estrutura foi seriamente danificada e toda sua tripulação foi morta, apresenta uma carga simbólica inescapável, como se a entrada do novo milênio fizesse questão de enterrar uma ordem mundial para a construção de uma nova.
Esse subtexto faz-se presente em “Kursk – A Última Missão”, do diretor dinamarquês Thomas Vinterberg. Não à toa, um dos elementos mais recorrentes do roteiro de Robert Rodat é a constatação de uma deterioração material e financeira da Rússia pós-soviética – atraso no pagamento de salários, frota em progressiva diminuição, falta de manutenção das embarcações, venda de peças para empresas estrangeiras etc. – aliado a um discurso patriótico e paternalista: em suma, um país anacrônico que releva um momento de crise em prol da manutenção de um discurso político. Por ser um longa produzido sem o envolvimento de produtores ou artistas russos, a análise feita pelos realizadores é um tanto simplória se levarmos em consideração as complexidades geopolíticas que envolvem o regime soviético e suas reminiscências na Rússia contemporânea; porém, não deixa de ser eficiente a analogia feita entre o país e o submarino.
Apesar disso, “Kursk – A Última Missão” é um filme que fica sempre à beira de tornar-se uma espécie de conto moralista sobre o fracasso soviético, principalmente no que diz respeito à ajuda internacional (países da OTAN, em sua maioria) no resgate dos tripulantes do submarino danificado e a relutância do governo russo em aceita-la. Por vezes, o risco de se tornar mais um longa sobre os “russos irresponsáveis e egoístas” e o “Ocidente sensato e caridoso” é perigosamente real. No entanto, deve-se muito à competência da direção de Vinterberg que “Kursk – A Última Missão” consiga, se não superar, pelo menos amenizar esse tom maniqueísta com o qual o roteiro de Rodat flerta tanto, e fazer do longa uma experiência assistível e com algumas qualidades.
A principal delas é que, se não consegue fugir da “mão-pesada” dos elementos mais explicitamente políticos da trama, Vinterberg consegue trabalhar muito bem as interações humanas dentro das pequenas comunidades que representam os diversos núcleos do filme. É nesse aspecto em que as características do cinema do diretor dinamarquês, realizador de obras como “Festa de Família” e “A Caça”, estão mais evidentes e, naturalmente, é onde ele mostra estar mais confortável. Apesar de, no geral, os diálogos serem bem literais, em momentos como as entrevistas coletivas marcadas pelo embate entre Tanya (Léa Seydoux) – esposa de Mikhail (Matthias Schoenaerts), um dos tripulantes do Kursk – e as autoridades da Marinha russa, há uma verve ausente em outros trechos do filme.
No todo, “Kursk – A Última Missão” nem se compara aos melhores momentos da carreira de Thomas Vinterberg, sendo claramente um trabalho “para pagar as contas”. Entretanto, apesar do roteiro problemático e de uma séria questão com os sotaques dos atores (consequência de ter belgas, franceses, alemães e suecos interpretando russos), seu mais novo longa é uma obra tecnicamente bem-feita e perfeitamente aceitável.
Imagens e vídeo: Divulgação/Paris Filmes
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