Nó na garganta
Imagine ser a grande estrela de um filme que arrecadou mais de seiscentos milhões de dólares e ganhar apenas 1.250 dólares pelo trabalho? Isso além de ser espancada pelo marido e forçada por ele a fazer sexo com outros homens para que ele ganhasse dinheiro. Pois esta é a triste história de Linda Lovelace, a famosa atriz pornô de “Garganta profunda”, grande sucesso de público nos anos setenta.
Em tempos de revolução sexual, Linda se tornou um ícone, mas no fundo era uma menina ingênua de subúrbio que se casou com o cara errado.
No longa dirigido por Rob Epstein e Jeffrey Friedman, com roteiro de Andy Bellin, a estrela é interpretada pela excelente Amanda Seyfried, que transmite o ar cândido e desamparado da garota que teme decepcionar os outros. Peter Sarsgaard representa seu marido – e por que não dizer, cafetão – Chuck Traynor, misturando sedução cafajeste e um olhar entorpecido pelo uso de substâncias ilícitas. Ambos ótimos, mas a surpresa mesmo é Sharon Stone como a mãe de Linda, perfeitamente caracterizada como dona de casa de meia idade nos anos setenta. Aliás, a década foi retratada caprichosamente nos figurinos, ambientação, na marcante trilha sonora que atua de forma bastante presente em várias cenas. Ainda sobre Sharon Stone: aparecer isenta de qualquer glamour e atuar com sinceridade mostram sua competência como atriz e nos faz pensar como a beleza nos meios audiovisuais é exageradamente valorizada.
A abertura do longa, com a imagem de Linda em uma cena de “Garganta profunda” (nada explícito, ela apenas dirige um carro), seguida por trechos de uma de suas entrevistas na época do sucesso do filme e por notícias na televisão já explicam ao espectador quem é a personagem e qual é o seu trabalho. Depois, sua história começa a ser contada do início, mostrando a vida de Linda com os pais antes de conhecer Chuck (e aqui o uso de filtros fotográficos que nos remetem a décadas atrás foi bastante apropriado), continuando de forma linear até sua saída de casa para viver com ele.
O roteiro tem bons diálogos e cenas que deixam clara a ingenuidade de Linda após a prisão de Chuck (“Você disse para nunca perguntar sobre seu trabalho”) e a violência que sofria em segredo, quando a maquiadora aponta suas manchas roxas (“Sou tão desastrada”). A personagem Lovelace criada para “Garganta profunda” também era um tipo inocente que chorou ao saber que seu clitóris estava localizado em lugar inusitado (daí o título do filme) e que esperava ouvir sinos tocando na hora do sexo. A qualidade do roteiro e a entrega de Amanda ao papel fazem com que se desenvolva uma forte empatia por Linda (mas é bem provável que machistas de qualquer sexo lhe atirem pedras e afirmem que ela sabia onde estava se metendo).
Alguns anos mais tarde, Linda conseguiu se desvencilhar da indústria pornográfica, casou, teve um filho e decidiu escrever um livro (“Provação”) contando toda a violência e abuso que sofreu durante seu casamento com Chuck. Para isso, a editora exigiu que ela fosse testada através de um polígrafo (detector de mentiras). O longa mostra tudo isso entremeando cenas já exibidas mas continuadas, isto é, tudo aquilo que realmente acontecia na intimidade do casal finalmente aparece para o espectador.
Nos dias de hoje, em que o feminismo volta a ganhar força e as mulheres são encorajadas a denunciar agressões, “Lovelace” é um filme que deve ser visto. Não apenas pelo entretenimento. É um filme que não se limita a contar uma história, mas que perturba porque revela toda a exploração sofrida por uma mulher que supostamente vivia num universo de dinheiro e glamour.
Neuza Rodrigues
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