Um verdadeiro tapa na cara da sociedade

Como dizia Satre: “O inferno são os outros”! Ironia essa que circunda a sociedade dia após dia, desde tempos imemoriais. E com o advento da tecnologia, isso não só aumentou como ganhou proporções inimagináveis. A cada olhar, mensagem trocada, ou conversa direta, o ser humano é atravessado por sua própria espécie com algumas das armas mais mortais que existem atualmente: o julgamento precipitado e as falsas ideologias que absorvem a humanidade de pouco a pouco. E, no fundo, sejamos honestos, poucos são aqueles com coragem de assumir a culpa.
Escancarando algumas verdades que acertam o peito do público como facas afiadas, vem chegando nos cinemas uma obra necessária, urgente e enfática. “Manifesto”, como o próprio nome incita, levanta questões sobre a arte e o poder que essa exerce sobre a humanidade – contudo, não deixa de lado um importante debate sobre a nação como um todo. Seus pensamentos, emoções, crenças, relações, bem como a ignorância que insiste em prevalecer em muitos lugares e cabeças. Tudo é esmiuçado de forma fria, sincera e por vezes poética.
Na trama, acompanhamos a atriz Cate Blanchet em um dos maiores desafios de sua carreira: dar vida a 13 personagens que não interagem, necessariamente, entre si, mas não deixam de estar presentes – mesmo que involuntariamente – na vida do outro. Tudo isso para responder questões artísticas, levantadas em diversas épocas, que batem de frente com a sociedade contemporânea. através de significativas passagens, bem como um olhar crítico, somos levados a explorar algumas das mais inovadoras e artísticas declarações do século XX. Enquanto o tal manifesto é explicitado, de forma bastante persuasiva, assinalando os motivos de cada palavra ali pronunciada, somos convidados a conhecer o ser humano com outros olhos. Em poucos instantes, adentramos a vida de nosso semelhante sem pedir licença e naturalmente percebemos que julgamos ao tempo que somos julgados. Sem ao menos uma razão suficiente e/ou interesse que corrobore tal perspectiva.
A produção é simples, porém requintada. Não necessita de abusos tecnológicos para segurar o público e esse acerto faz completa diferença no resultado final. O fato de ser toda trabalhada em cima da estética de uma propaganda de rua, traz uma sensação de estarmos assistindo o filme através de gritantes cartazes revolucionários e políticos.

O impecável roteiro de Julian Rosefeldt, nos segura ferozmente na cadeira. Suas palavras vociferam na mente do espectador causando inúmeras reflexões, sobre situações artísticas, pessoais e o mundo em si. O roteirista teve o cuidado de não deixar o seu texto cair no dramalhão óbvio, muito comum nesse tipo de filme, pontuando o humor (que está acostado no sarcasmo) de forma correta, enquanto o drama caminha levemente pelos parâmetros apresentados através das ações propostas.
Julian Rosefeldt também é responsável pela direção, e faz isso de forma elegante. Bem como a acurada fotografia de Christoph Krauss e o deslumbrante design de produção, que convergem de forma impressionante. É normal termos uma fiel ligação dessas áreas no cinema, mas nesse caso é algo descomunal. A tela se transforma em uma grande pintura a ser ponderada. Em cada canto temos algo a ser apreciado que dialoga com o restante do contexto. As cores, trabalhadas de forma fria, nos entregam um aspecto modorrento – claramente elucidado por deslumbrantes planos abertos que implicam a imensidão de lugar bonito e limpo, tão quanto o vazio que penetra a alma daqueles ali presentes. Em paralelo, a atmosfera esquenta em situações mais fechadas, capazes de provocar certa aproximação. E aqui, certos movimentos de câmera causam o ardor necessário.
Todo trabalho da técnica é correspondido sublimemente por uma admirável atuação de Cate Blanchet, que nos encanta em cada uma de suas cenas e personas adotadas. É notório sua cuidadosa construção de identidade para cada papel interpretado. Os gestos psicológicos, que vão desde um tremer de lábios a manias de mexer no cabelo, à diferença de idade ou sexo – que é facilmente constatada por expressões plausíveis e magnéticas.
A quase inexistente trilha sonora, que surge de forma sorrateira, pincela de vez os cantos que carecem de ajustes minimalistas e acerta em cheio a trama que vem sendo um dos grandes presentes recebidos pelo cinema esse ano.
“Manifesto” não é um filme comum, desenvolvido para todos os públicos, mas é uma obra de arte indispensável para vida de todos. Trata-se de uma crítica construtiva sobre nossos princípios e intenções. Sobre quem realmente somos, queremos e podemos ser. Trata-se de uma análise profunda sobre ser e agir como humano.
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