Em consonância com a atual tendência de cinebiografias de artistas da música brasileira, está previsto o lançamento, em fevereiro de 2024, do filme “Meu Sangue Ferve por Você”. Entretanto, a 47ª Mostra de Cinema antecipou-se ao apresentar uma projeção especial da obra. Pode-se afirmar que, se os realizadores tivessem adotado a tradicional abordagem a esse gênero de produção, o enredo teria se centrado na trajetória e na carreira de Sidney Magal desde os seus primórdios. No entanto, o filme dirigido por Paulo Machline optou por narrar a história a partir do ponto em que o aclamado cantor, personificado por Filipe Bragança, já desfrutava de grande notoriedade no Brasil, no limiar da década de 80. A trama prioriza, como seu eixo central, o envolvimento amoroso entre Magal e a estudante Magali, interpretada por Giovana Cordeiro.
É incontestável que não existe uma fórmula predefinida para cinebiografias. No entanto, as escolhas anteriormente mencionadas, bem como outras decisões tomadas pela equipe de direção e roteiro, impõem inúmeros desafios ao filme, exigindo uma notável indulgência por parte do espectador, a fim de que a obra seja minimamente apreciada como uma produção cinematográfica.
É relevante destacar, no entanto, que a obra está indubitavelmente direcionada aos admiradores de Sidney Magal, os quais, muito provavelmente, não demonstrarão grande preocupação quanto à qualidade do roteiro, das interpretações, da direção, e outros aspectos. Uma parte substancial do público frequentará as salas de cinema em virtude do carisma do protagonista e da excelência de suas canções de sucesso. Além disso, almejarão vislumbrar o esplendor do ícone em sua juventude, haja vista que, além de ser um cantor e compositor talentoso, Magal ostentava um estilo sedutor e provocante em suas performances. Tal carisma o transformou em um fenômeno, cativando seguidores que o acompanham até os dias atuais. Muitos deles, inclusive, estiveram presentes na sessão realizada na Cinemateca, que contou com a participação do elenco e do próprio Sidney Magal, que brindou a plateia com uma breve performance musical após o desfecho do filme.
Embora seja presumível que os fãs acolherão calorosamente o filme, o mesmo não pode ser dito acerca dos cinéfilos que, eventualmente, optarem por assistir a “Meu Sangue Ferve por Você”, sobretudo quando se depararem com a linguagem excessivamente novelesca, caracterizada pelas típicas transições que apresentam cenários urbanos, servindo como conexão entre diferentes núcleos de personagens. Outra característica das novelas perceptível é a escassa expressividade visual, com tomadas próximas aos atores, alternando entre primeiros planos e planos americanos, e a ausência de profundidade de campo. Essa lacuna é lamentável, sobretudo quando se considera que a cidade de Salvador, onde se desenrola a história, não é explorada em toda a sua beleza. Sem dúvida, as tomadas mais próximas seriam justificáveis caso conseguissem capturar a emotividade dos personagens, como no caso de Magal no palco ou durante o ato de composição. Infelizmente, tal não é a intenção. O estilo de telenovela é o alvo, satisfazendo um público menos exigente. Há ainda outras falhas que surgem ao longo de uma hora e quarenta minutos de projeção, incluindo a inserção pouco criteriosa de números musicais nos quais os personagens começam a cantar sem uma função narrativa clara, com coreografias carentes de originalidade e executadas de forma inadequada pelos atores. Quanto ao roteiro, este se desvia do seu tema central (Magal) para se concentrar no objeto de desejo (Magali). No entanto, a atração entre os protagonistas se desenvolve tão rapidamente que a suposta paixão entre eles se torna superficial. As intenções do “vilão” também não se tornam claras, e mesmo assim ele cria pequenos obstáculos ao casal. Por que ele não apoia o romance? Está apaixonado por Magal ou deseja que este não se desvie de sua carreira? São questões que permanecem sem resposta ao final.
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Outro ponto problemático é a atuação da dupla Bragança e Cordeiro. O primeiro, com notável coragem, canta todas as músicas durante o filme, mas, em vários momentos, não consegue se aproximar do timbre de Magal, nem transmitir a plenitude das performances do cantor. Já a segunda não vai além das expressões faciais já observadas em telenovelas como “Mar do Sertão” e na atual “Fuzuê”. Há até uma tentativa de inserir elementos cômicos por parte da atriz, mas, talvez por sua incapacidade de atuar nesse gênero ou devido à ausência de um roteiro mais substancial, ela não obtém êxito. Por fim, a química do casal quase não existe, fazendo com que o romance se torne insípido e desprovido de emoção.
Devido a esses pontos destacados, “Meu Sangue Ferve por Você” acaba ficando aquém das expectativas, já que trata de um dos nomes importantes da música brasileira. No entanto, para aquele público que busca apenas um pouco de diversão novelesca, ele funcionará perfeitamente, ainda mais porque ele possui em sua essência aquela vibe cafona tão especial de Sidney Magal.
Este filme foi exibido durante a 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.
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