Um dos destaques entre os filmes denominados “Originais Netflix” foi o aclamado “Beasts of No Nation” (2015), um drama pesado sobre as crianças que são transformadas em soldados nas constantes guerras na África. Porém, se você é uma das pessoas que assistiu ao premiado longa e pensou “o protagonista poderia ser uma mulher branca rica europeia”, não tema, pois a empresa de streaming lançou esse ano “O Caderno de Sara”. Cinismo à parte, a nova produção da plataforma não é tão caótica como a sua sinopse faz parecer, mas também deixa a desejar.
Escrita por Jorge Guerricaechevarria, a trama se foca na advogada espanhola Laura (Belén Rueda), que viaja para a África procurando a sua irmã Sara (Marian Álvarez), que trabalha como voluntária em uma ONG no país e está desaparecida faz dois anos. Seguindo a sua única pista, uma foto tirada de uma guerrilha rebelde, a mulher deve continuar sua busca dentro do Congo, um território que se encontra em meio a diversos conflitos civis, com a ajuda de Jamir (Iván Mendes), um jovem nativo que reluta em retornar para a região após ter conseguido escapar de um dos generais mais temidos da área, conhecido como “O Gavião”.
Se essa premissa não mostra o melhor que o continente tem a oferecer, o mesmo não pode ser dito do trabalho de fotografia de David Omedes, que representa a beleza da África em todas as suas facetas. Sempre intensa, a cinematografia demonstra a imensidão verde monocromática de suas florestas, assim como põe em destaque a variada palheta de cores de suas cidades e periferias. Esse visual forte é complementado por uma direção eficiente, com uma câmera que explora bem o espaço em ambos os ambientes.
Porém, a sua aparência não é o suficiente para salvar o longa da mediocridade de seu roteiro. Assim como outras produções Netflix recentes, o script parece ter sido escrito contando que o espectador o assistirá em casa, enquanto mexe no celular, sem prestar muita atenção no que acontece. Informações são repetidas diversas vezes no início do filme em sequências de diálogos expositivos e a estrutura do enredo, a sua primeira metade sendo quase um road movie, torna algumas cenas desnecessárias em retrospectiva. Uma em particular é quando Laura da ênfase que “desta vez não vai voltar sem a irmã”, o que indica que não é a sua primeira ida à África em busca de Sara. Isso, porém, não é mais mencionado e todo o restante de suas ações na história dão a entender que ela está em um lugar ao qual nunca antes visitou.
A maior complicação da narrativa, no entanto, é a sua temática. A tentativa de equilibrar o drama familiar de Laura com as barbaridades da guerra que ocorrem ao seu redor não é bem-sucedida e, como consequência, é difícil se importar com a relação central entre as duas irmãs enquanto diversos inocentes africanos são assassinados ao fundo. O arco de alguns dos personagens secundários, principalmente de Jamir, acabam se mostrando muito mais interessantes do que o desenvolvimento da protagonista.
Isso não significa que a personagem de Laura seja ruim, já que Belén Rueda faz o seu melhor para elevar o que poderia ser uma protagonista apenas superficialmente caracterizada, passando a dose certa de fragilidade e determinação. O elenco de apoio também tem os seus momentos, mas quem chama mais a atenção é Iván Mendes interpretando o jovem doutrinado para matar que enfrenta seus conflitos internos ao retornar para a terra onde foi anteriormente abusado.
No geral, “O Caderno de Sara” acaba faltando a profundidade necessária para se discutir o tema que propõe e tem um roteiro peculiar que, apesar de defeituoso, não falha em entreter. Em comparação com seu precedente e semelhante, “Beasts of No Nation”, ele não é muito memorável, mas se for equiparado com outras produções recentes da Netflix, é bom o suficiente.
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“Uma em particular é quando Laura da ênfase que “desta vez não vai voltar sem a irmã”, o que indica que não é a sua primeira ida à África em busca de Sara.”
Acredito que essa percepção foi um tanto quanto infeliz. É de se entender que “desta vez ela não desistiria da irmã”: não que seria em uma viagem que nunca houve.
A questão principal do filme são as condições vividas pelos africanos infringidas a eles pelos próprios iguais: a ganância e a corrupção não é privilégio de brancos, americanos ou europeus.
Baseado em fatos reais, a vida das irmãs é assunto secundário e como tal foi tratado.