Baseado nas HQs de Luciano Cunha, “O Doutrinador” é um justiceiro (ou serial killer?) mascarado que executa políticos e empresários que abusam do poder usando a máquina pública para ganho pessoal, por trás da máscara de gás com marcantes lentes vermelhas do personagem, há o policial Miguel, interpretado por Kiko Pissolato, que tem como motivação uma vingança pessoal. No caso, a morte de sua filha, que alvejada por uma bala perdida, acaba morrendo na fila de um hospital público, esperando por atendimento.
Talvez por ser uma adaptação de quadrinhos e ter vários elementos que remetem à estética e narrativa dos super-heróis sua fotografia não se prende à algo naturalista, sendo comum vermos luzes roxas ou vermelhas banhando as paredes de um galpão, o que é coerente com as externas que mostram uma cidade onde telões e letreiros de néon se destacam, lembrando filmes como “Blade Runner” ou os mais recentes “John Wick” e “Atômica”, utilizando-se em muitas vezes de pouca profundidade de campo deixando o fundo desfocado e criando assim um visual interessante com pequenas esferas de luzes que remetem a pontos reticulados, uma característica visual associada aos quadrinhos, principalmente os mais antigos devido a seu processo de colorização onde se vê pequenos pontinhos nos desenhos, uma das formas interessantes que o filme conversa com a mídia original em que se baseia.
Boa parte da ação é bem desenvolvida, tendo a violência necessária que algumas cenas pedem alinhadas com seu visual, muitos clichês de filmes do gênero estão presentes, como uma sequência em que o vigilante veste seu traje e prepara seu armamento ou uma invasão guiada pela hacker Nina (Tainá Medina) que dá coordenadas ao protagonista através de um ponto no seu ouvido, o tipo de coisa que já vimos em tantos outros filmes, mas que não chegam a incomodar, o que prejudica um pouco é a insistência em apoiar-se mais na trilha sonora para dar ritmo a essas cenas do que na montagem, trilha excessivamente alta em muitos momentos.
Se os clichês não incomodam na hora da ação, incomodam nos diálogos que em diversos momentos carecem de sutileza deixando a impressão de que o roteiro está mais interessado em frases de efeito do que no desenvolvimento dos personagens, o mesmo também apresenta algumas soluções fáceis em momentos específicos, como quando o doutrinador tem que fugir de lugares que seriam altamente vigiados. Além disso, os vilões também soam muito caricatos, sim eles são análogos de nossos políticos, sim nossos políticos são caricatos, porém na maior parte do tempo eles aparentam ser mais como vilões de desenho animado e não como nossos vilões reais, a motivação dos personagens e suas ações são até questionadas, mas feita de maneira rápida e não aprofundada acabam perdendo o peso que poderiam ter na trama.
“O Doutrinador” é um avatar das nossas frustrações como cidadão, uma resposta violenta ao descaso de nossos políticos, ele é contra corrupção, contra tudo que está aí e depois de ver o vermelho do sangue da filha manchar a camiseta amarela da seleção que a menina usava (e aqui deixamos as possíveis interpretações com o espectador) parte em sua jornada por justiça, o personagem capta o espírito das manifestações de julho de 2013, manifestações que eram tidas como “apartidárias”, porém o filme é lançado em 2018 em um período extremamente polarizado, onde olhando para trás acompanhamos o desfecho daquelas manifestações e vimos como esse discurso simplista de ser contra a corrupção e ser contra tudo que está aí, ganhou ares autoritários e é repetido à exaustão por quem se vende como a mudança, mas na verdade é só uma versão nova de ideais antigos e destrutivos, e o filme aparentemente isento, acaba tomando um lado quando atribui certas características reconhecíveis de uma figura política dúbia a um vilão ou quando não dá muito espaço para as consequências dos atos de seu “herói”. Como entretenimento, a produção funciona bem, pelo menos em parte do tempo, mas como comentário social não vai muito além do superficial.
Por Augusto Dias
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