Na vida real ninguém torce para que um traficante de drogas se dê bem em seus negócios ou que escape da polícia. Ninguém quer que esse criminoso tenha uma vida feliz com esposa e filho, morando num ótimo apartamento, enquanto aqueles que usam seus produtos apodrecem nas esquinas. Apenas com a ilusão cinematográfica que é possível que figuras vistas como repugnantes e que cometem atos deploráveis ganhem a simpatia da platéia. O que dizer então se um desses meliantes é representado por Mathias Schoenaerts? Com um carisma reconhecido e ótima capacidade para interpretar criminosos (ele é ótimo no geral, mas parece ter encontrado o tom certo para esse tipo de papel), o ator belga se destaca. Seu personagem Manuel é carinhoso com os amigos e família e não possui qualquer traço violento. É discreto mesmo com seu porte físico avantajado, ganhando todos na conversa, inclusive os espectadores.
A trama começa com ele e seu amigo Imrane (Adel Bencherif) buscando outro membro do grupo que está saindo da cadeia e toma forma com o mergulho no mundo criminoso das periferias de Paris. Em uma das entregas de drogas, dois membros do grupo são mortos e Manuel acaba sendo acusado dos assassinatos. Os motivos que o levam a ser suspeito não podem ser expostos nesse texto para evitar spoilers. O fato é que ele precisará provar sua inocência e tentar escapar do detetive à frente das investigações Driss (Reda Kateb), ex-morador da periferia que conhece Manuel e os que foram mortos. Driss usa seus contatos na região para tentar prender receptadores das drogas vendidas por seus conterrâneos.
Ao contrário do que pode parecer, a história não é sobre a perseguição a um criminoso. As intenções do roteiro são mais complexas ao construir um drama criminal com uma faceta tradicional, porém com conflitos mais sofisticados do que apenas o costumeiro herói contra vilão. Naquele local, essa dicotomia não existe, todos fazem parte da mesma realidade. São como uma família e Driss é o filho desgarrado. Por isso, sua sensibilidade entrará em conflito com sua moral ao ter que escolher entre prender seus amigos, que cresceram junto dele, ou fazer “vistas grossas” para os seus crimes, talvez perdendo seu posto na polícia e prejudicando o futuro de sua filha no processo.
A direção de David Oelhofen explora bem seus atores em cenas de diálogos longos, mas também consegue criar apreensão durante tiroteios e perseguições tirando a câmera de seu repouso e fazendo-a correr com steadyCam, porém, sua técnica não consegue atenuar as desconfortáveis reviravoltas que teimam em tentar pegar o espectador despreparado. Quase todo o arco do personagem principal é previsível, tendo apenas em sua cena final algo de real impacto. Isso não compromete totalmente a qualidade de “Inimigos Íntimos”, já que sua melhor matéria prima são os relacionamentos criados e destruídos entre amigos e as suas consequências. As drogas, os chefes do crime e os assassinatos ficam em segundo plano por serem apenas obstáculos que afastam todo o resto do mundo real.
Essa crítica faz parte da cobertura da 42ª Mostra de Cinema de São Paulo
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