A emigração chinesa para América do Sul é resultado do processo da diáspora. O movimento no sentido das terras do sul se intensificou nos anos de 1810, e atualmente sofre um declínio. No entanto, países como Brasil, Panamá, Bolívia e Argentina (decrescendo dos dois primeiros para os últimos) ainda experimentam um crescimento expressivo da comunidade chinesa.
Pensar a expansão deste povo, que no geral possuem deslocamentos para desenvolvimento de atividades majoritariamente comerciais, nos instiga a pensar além das estatísticas migratórias. Por traz desses números e eventos históricos existem indivíduos que abandonam sua terra natal em busca de melhores condições para si e suas famílias. Mas a que custo? Quais as dificuldades enfrentadas ao se adentrar locais com línguas e culturas tão diferentes? É sobre essa difícil adaptação que o longa “ O futuro prefeito “ trata, narrando a história de Xiaobin: uma imigrante chinesa em Buenos Aires.
Após anos sem ver seus pais e sem conhecer seus irmãos, a jovem de 18 anos chega à Argentina sem saber falar espanhol. Então inicia sua busca por empregos, enfrentando muitas dificuldades pelas barreiras linguísticas. O filme aborda estes obstáculos de maneira fria e prática. Por um lado a frieza das relações (de trabalho e familiares) que cercam a jovem, e por outro a maneira prática como ela aceita e se adequa as situações demonstra um traço cultural das sociedades orientais.
Escondida da família a moça passa a estudar espanhol em um curso com outros colegas em situação similar. Então chamada de Beatriz (seu nome social argentino), começa a traçar seu próprio destino, com perspectivas tangíveis mas complexas: se apaixona por um indiano que quer se casar com ela, vive economizando dinheiro escondido da família, e estuda a língua de seu novo país também sem o conhecimento dos pais.
A narrativa intercala realidade, encenação de sonhos e as aulas no curso de espanhol, onde Beatriz pode falar abertamente sobre seus anseios, inseguranças e medos. Com ar documental, pode ser enfadonho, mesmo sendo um filme curto. Isso pelo ritmo lento e um pouco previsível. A preparação dos atores também deixa um pouco a desejar: se por um lado a história se mostra orgânica, as relações acabam por imprimir um ar fake em muitas situações. No entanto, não se torna claro até que ponto esse ar se dá em função do vazio de relações de difícil entendimento ente as partes e o grande vazio emocional de jovens em condições tão emocionalmente vulneráveis.
Um aspecto muito interessante é a ausência de trilha sonora. O filme é embalado pelo som real das coisas, em cenas que respeitam o tempo demandado por elas. Assim, se tem um produto cru, com cara de vida real. Jogando o público dentro de uma realidade com a qual se depara sem se perceber suas dificuldades. E os quadros fechados que valorizam (de forma geral) somente os personagens na mesma situação de Beatriz, reforça as vivências de um perfil específico, que a despeito de todas as dificuldades possuem sonhos e buscas. E por isso, tem um forte e inteligente caráter político.
Em “O futuro prefeito”, a diretora Nele Wohlatz traz um filme sensível e que vale ser visto. Em especial em um momento em que o mundo vivencia problemas de ordens diversas quanto às questões territoriais e de fronteiras. Entender que para além das estatísticas o ato da migração implica em mudanças profundas na vida do migrante (muitas vezes positivas, mas tantas outras não) nos leva pensar no quanto a empatia se faz necessária. E neste aspecto o trabalho de Nele é feliz. Vemos na tela uma representação ácida de uma vida comum e de poucas perspectivas, como tantas com os quais cruzamos indiferentes dia após dia. Apesar de algumas críticas negativas que aqui possam ter sido feitas, o longa tem a capacidade de promover uma importante reflexão.
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