Julgando pelo tema abordado, é impossível discutir “O Oficial e o Espião” sem citar os problemas pessoais pelos quais vive seu diretor. Indiciado por abusos sexuais nos EUA e agora na França, Roman Polanski volta suas câmeras para a história, baseada em fatos, de um cidadão acusado de crimes que não cometeu. Preso e execrado pela França do século 19, o capitão judeu das forças armadas, Alfred Dreyfus (Louis Garrel) luta nos tribunais anos a fio. O grande problema na comparação é que Dreyfus possui fortes argumentos para provar sua inocência, enquanto Polanski recebe cada vez mais denúncias, sem conseguir desmenti-las – inclusive foi condenado nos EUA. Outra diferença é que o crime de traição, que o capitão supostamente cometeu, se torna brando perto da aterradora pedofilia atribuída ao cineasta franco-polonês.
Bem, eu ainda consigo separar a arte de seu autor, salvo alguns casos em que se usam das expressões artísticas para disseminar discursos de ódio ou algo parecido. Dito isso, espero que Polanski seja preso se sua culpa for provada após as devidas investigações, mas continuarei apreciando suas obras, que fazem parte da minha vida. Isso porque a força de seu cinema, vinda de seu vigor autoral, é vista mesmo em seus piores trabalhos, o que serve para nos tirar do conforto proporcionado pelos filmes comerciais. Bom, pelo menos serviam, já que “O Oficial e o Espião” não possui a assinatura conceitual do cineasta, o que se vê é talvez uma tentativa de criar uma peça de ataque aos seus acusadores.
Para isso, o roteiro do próprio Polanski, escrito com Robert Harris (autor do livro que serviu para a adaptação), expõe uma Paris dominada por preceitos fascistas e, por consequência, xenofóbicos. O exército domina a cidade e é amado e respeitado pelo povo. Os militares, aproveitando seu prestígio, usam de suas falsas narrativas para condenar Dreyfus por um suposto vazamento de documentos secretos, sem qualquer prova concreta. Até o íntegro coronel Georges Picquart (Jean Dujardin) acredita nessas provas, mesmo que o acusado seja um de seus discípulos, que frequentemente sofre preconceitos por não ser um francês puro. Xingamentos como “Judeu Podre”, inclusive, são proferidos pelos militares para se referir a Dreyfus.
Ou seja, um oficial destacado nas fileiras militares e que provavelmente chegaria ao alto escalão é sabotado pelo fato de todos o acharem um estrangeiro inferior, indigno dos louros de uma França imperialista. Polanski também foi sabotado, primeiro pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, responsável pelo Oscar, que o baniu, e depois pelos protestos que começaram a surgir na Europa assim que “O Oficial e o Espião” estreou, isso em paralelo às várias indicações ao César que a obra recebeu, mas que foram eclipsadas pelos assuntos de cunho criminal. É bem claro o transporte da figura do cineasta para a do personagem injustiçado, o que toma todas as forças do cineasta e o impede de entregar um filme acima do comum, algo que ele se acostumou a fazer, se olharmos em retrospectiva.
Infelizmente, ele se esquece de fazer um cinema mais substancial, e aborda temas relevantes de forma excessivamente acadêmica. Parece que a história do homem que sofre em um exilio imposto pelos injustos suga a alma do filme, que acaba deixando de lado os outros temas abordados de início pelo roteiro. Por isso, o que sobra é um amontoado de cenas verborrágicas, planos e contra planos como regras intransponíveis e pouca inspiração nas entrelinhas do texto. Até as atuações são regulares – com Garrel como o mais inspirado – o que é pouco quando um dos nomes mais consagrados da cinematografia mundial se senta na cadeira da direção.
Vídeo e Imagens: Divulgação/California Filmes
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