“- Essa é mesmo a sua história?
– É a história de muitos homens.”
Em 1969, após anos na Venezuela, um antigo prisioneiro retorna à França para publicar suas memórias. Questionado sobre a autenticidade do material, não afirma a experiência própria; ao contrário, compartilha a vivência com a dos demais exilados. A cena final de “Papillon” (2017), ausente na versão de 1973, chama a atenção para algo ignorado durante as mais de duas horas anteriores. Três décadas depois do lançamento do livro homônimo, colocou-se em dúvida a história de Henri Charrière. Segundo o pernambucano Platão Arantes, estudioso do caso, o famoso relato pertence, na verdade, a René Belbenoît, figura de liderança intelectual entre os presos na Guiana Francesa. Charrière, um homem de poucos estudos, teria se apropriado de seus escritos. Alheio a essa discussão, entretanto, o roteiro de Aaron Guzikowski (“Os Suspeitos”) toma o relato do protagonista como verdadeiro.
Henri Charrière (Charlie Hunnam) apresenta-se, assim, como um arrombador de cofres injustamente acusado do assassinato de Roland Legrand. Condenado à prisão perpétua na América, Papillon conhece Louis Dega (Rami Malek), um milionário falsificador. Os dois homens estabelecem, então, uma parceria: em troca de proteção física, Dega custeia quaisquer tentativas de fuga de Charrière. As adversidades, no entanto, são muitas: dois guardas em constante vigília, uma floresta labiríntica e um mar repleto de tubarões. Caso capturados, ainda, os fugitivos recebem penas progressivas na solitária ou, pior, na temida Ilha do Diabo, colônia penal isolada e formada por penhascos.
Partindo da conhecida história, Guzikowski pouco inova. Reaproveita, de outro modo, diálogos inteiros do longa-metragem estrelado por Steve McQueen e Dustin Hoffman. Diferentemente do roteiro assinado por Dalton Trumbo e Lorenzo Semple Jr., porém, a nova adaptação ignora qualquer relação simbólica entre o anseio por liberdade e a borboleta tatuada no peito do protagonista – papillon, em francês. Além disso, falha no retrato da violência prisional: muito por conta, é verdade, da inabilidade do cineasta dinamarquês Michael Noer (“R”) de criar momentos de apreensão. Nesse sentido, mesmo os delírios de Charrière, pontuados por sequências oníricas, resultam antes em tédio que em desespero.
Enquanto os carcereiros assistem a “King Kong” (1933), Papillon e Dega tentam uma fuga. Ainda que de maneira indireta – e provavelmente não intencional -, essa cena indica uma certa visão dos realizadores a respeito do cinema. Para eles, a Sétima Arte não passa de uma espécie de divertimento anestesiante, exterior a qualquer ação efetiva. A projeção dentro da projeção serve, afinal, apenas para desviar a atenção dos guardas. O verdadeiro movimento, ou seja, o escape das personagens, está fora das imagens metalinguísticas. Entende-se, assim, a proposta deste novo “Papillon” (2017): longe de questionar a versão única do protagonista ou de promover uma reflexão sobre as mazelas do sistema penal e sobre as barbáries do colonialismo etnocêntrico, Noer quer apenas distrair o espectador. Para tanto, o diretor opta por uma abordagem palatável de temas como a amizade e a superação de adversidades.
Considerada essa proposta, talvez seja possível afirmar o sucesso de “Papillon”. Consumido por um inebriante tédio, o público acompanha, com pouco investimento, os esforços de Charlie Hunnam (“Círculo de Fogo”) e Rami Malek (“Mr. Robot: Sociedade Hacker”). Diante do potencial inaugurado pelas recentes investigações sobre a autoria, contudo, é de se lamentar que o filme mais pareça uma incompetente cópia do sucesso de Franklin J. Schaffner.
* O filme estreia dia 4, quinta-feira.
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