Antônio (Johnny Massaro) tem vinte e poucos anos, usa óculos de aro grosso e jaqueta jeans, trabalha em uma empresa de comunicação, fuma maconha socialmente, faz terapia cognitiva, toma remédios tarja preta para tratar a ansiedade crônica e procura no Google as instruções para cozinhar frango grelhado. O protagonista de “Todas as Razões para Esquecer” tem o nervosismo característico dos personagens vividos por Woody Allen durante a década de 70, mas sua existência fora dos anos 2000 é impossível.
Pensar as neuroses dos indivíduos pós-bug do milênio, sem rumo no feed infinito, é o que faz, com surpreendente sucesso, o primeiro longa-metragem dirigido e escrito por Pedro Coutinho. Êxito modesto, importante adiantar, já que ainda que construa uma discussão de valor, ao flertar com a comédia romântica, acaba pouco memorável perto de títulos célebres que usam o mesmo recurso para tocar em questões similares como “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças” (2004), “Medianeras: Buenos Aires na Era Virtual” (2011) e “Ela” (2013).
Assim, conforme o bê-à-bá do gênero, seu ponto de partida é o amor: depois de dois anos de namoro, Antônio é pego de surpresa ao ser dispensado por Sofia (Bianca Comparato). Sem entender os motivos do rompimento, o rapaz, um típico millennial familiarizado com as relações efêmeras e a vida de falsas aparências do mundo virtual, começa a buscar formas de exterminar sua angústia. Do atendimento psicoterapêutico ao uso de álcool, drogas – lícitas e ilícitas – e dos famigerados “aplicativos de pegação”, ele passa a caminhar entre os vários meios de esquecer aquilo que lhe traz dor.
Quem é contemporâneo do jovem protagonista pode confirmar que as opções são muitas. Há entre os ditados populares que nasceram na web um que diz “tanta internet, tão pouco tempo”, frase que estampa camisetas e canecas em lojas online, mas que explica bem como vivemos. O smartphone é quase como uma extensão do nosso corpo, as redes sociais, uma realidade complementar. Para variar, o fluxo de informações é tão acelerado e serve tanto para dar suporte a padrões irreais de vida, que estamos cada vez mais ansiosos.
Na sua direção, Coutinho consegue capturar a estranheza desses novos tempos. O passado, apresentado ao espectador através de flashbacks, tem o tom cor-de-rosa de filtro de Instagram – “Por que quando a gente termina uma relação só consegue lembrar das partes boas?”, em um momento Antônio questiona – e em determinado ponto da narrativa, de forma espirituosa, a passagem de tempo é marcada através da diminuição dos comprimidos de ansiolítico das cartelas.
Perspicácia presente também, em boa parte do tempo, no roteiro do cineasta. Desenvolvendo a crise existencial do personagem principal a partir das pequenas provações do cotidiano, é curioso acompanhá-lo na busca pelo esquecimento. No Tinder, aplicativo para arranjar encontros românticos, vemos diálogos esdrúxulos, no entanto mais que verossímeis, entre ele e suas pretendentes. Já em outro episódio, assistimos ele preparar o jantar em seu apartamento vazio e depois comê-lo enquanto ri, sozinho, ao assistir a algo na tela do computador. Ambas as situações tem algo de cômico e melancólico, entretanto reproduzem com fidelidade nossas próprias práticas.
Um dos pontos altos do projeto, porém, é uma cena entre o jovem interpretado por Johnny Massaro e sua psicanalista (Regina Braga). Inesperado, o resultado desse encontro subverte expectativas sobre a vida adulta e serve para comprovar outra máxima que surgiu nos confins da internet: “está todo mundo mal”.
A mensagem parece pessimista, mas ganha outros contornos com o desfecho agridoce – e também possível – dado aos dramas de Antônio. Assim, “Todas as Razões para Esquecer” é um filme que nasce com prazo de validade ao tratar de questões tão específicas, contudo, ainda assim, consegue tratar de dores que são atemporais.
“Todas as Razões para Esquecer” está disponível no catálogo da Netflix
https://www.youtube.com/watch?v=QhFTZfTgoXw
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