“Iluminismo é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu entendimento sem a direção de outro indivíduo. O homem é o próprio culpado dessa menoridade se a causa dela não se encontra na falta de entendimento, mas na falta de decisão e coragem de servir-se de si mesmo sem a direção de outrem. Sapere aude! Tem coragem de fazer uso de teu próprio entendimento, tal é o lema do iluminismo.
A preguiça e a covardia são as causas pelas quais uma tão grande parte dos homens, depois que a natureza de há muito os libertou de uma direção estranha (naturaliter maiorennes), continuem, no entanto de bom grado menores durante toda a vida. São também as causas que explicam por que é tão fácil que os outros se constituam em tutores deles. É tão cômodo ser menor.” (Kant)
Assistir à série “Grace and Frankie” revigora as reflexões sobre a maioridade. A liberdade caminha com a responsabilidade e pode ser refrescante perceber como há tantas diferentes estradas a serem pavimentadas. Jane Fonda e Lily Tomlin são lendas do cinema porque souberam escolher personagens e causas políticas relevantes. Novamente, elas arriscam ao interpretarem personagens cujas vozes precisamos ouvir.
Com mais de 70 anos, as protagonistas estão vivendo uma nova fase da vida que, mesmo com tanta experiência, não puderam prever. Gracie e Frankie se divorciaram dos maridos, Robert e Sol. Os dois resolveram assumir o amor (de pelo menos 20 anos, para além da amizade). É preciso coragem e disposição para enfrentar o mundo de artrites, falhas de memória e perda de amigos da própria geração. Mesmo assim, os quatro setentões assumem a reorganização dos seus papéis sociais com vitalidade e bom humor – eles ousam saber.
Em 1976, Martin Scheen estreou “Apocalipse Now” (dir. Francis Coppola). Uma das mais famosas cenas do filme (em que o som do ventilador de teto se mistura ao barulho dos helicópteros da guerra) foi resultado de um improviso. Cerca de 40 anos depois, o ator deixa de ser um soldado, no Vietnã, para encarar o ofício de marido de Sam Waterston, em San Diego. No conforto de um lar burguês, os dois têm um ventilador que significa a paz conquistada.
É difícil imaginar esse enquadramento sem a revolução cultural iniciada nos anos 1960. As melhorias acerca dos direitos das mulheres, negros e homossexuais são inegáveis. No entanto, as conquistas não alcançaram o planeta inteiro e há riscos graves de retrocesso. Muitos países têm discutido reformas do sistema previdenciário e das leis trabalhistas. Como será ter quase 80 anos nas próximas quatro décadas? “Grace and Frankie” ilumina o olhar para a maioridade na velhice.
A vida é um eterno descortinar de identidades. Reconhecer a potência de cada uma delas é sabedoria. Assim, a diminuição da lubrificação e a fragilidade do tecido vaginal estimulam a criação do vibrador para mulheres mais maduras. Ao formarem uma sociedade, Grace e Frankie nos fazem olhar com atenção para nossos corpos, tão escondidos por preconceitos em torno da sexualidade – especialmente, no envelhecimento. Sem dramas e emocionalmente inteligentes, os diálogos da série dão leveza a um processo que a publicidade quer negar: se tudo der certo, envelheceremos. Sapere aude.
Por Carmen Filgueiras
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