Em 1930, John Grierson inaugura a tradição “documentária” – tradição estilística que contava com voiceover expositiva e com documentários geralmente dotados de uma veia institucional. Essa tradição permanece no cinema de documentário, até no Brasil. Mas em 1960 o Cinema Verdade/Direto constitui o primeiro momento de ruptura ideológica com o universo documentarista de Grierson.
Nessa altura, o cinema documental já tinha a tecnologia a seu favor. Para a facilitação das filmagens, contavam com câmeras mais leves e ágeis, além do revolucionário gravador Nagra, que permitia a sincronia do som com o que era filmado. Essa característica foi fundamental para o Cinema Verdade/Direto.
Nesse momento de ruptura, o Cinema Verdade/Direto faz uso de diferentes ideologias que garantirão sua autenticidade: critica a encenação não revelada do modelo Griersoniano; valoriza a reflexividade cinematográfica e a não intervenção do documentarista – mostra e não é mostrado (considerado a “mosca na parede” que observa e não interfere na ação); faz uso das entrevistas como elementos estilísticos; fazem uso do som sincrônico; planos longos e, no caso do cinema Verdade, com a câmera na mão e imagem tremida enquanto no cinema Direto a câmera é discreta (sempre a ideia da “mosca na parede”).
No Brasil esse cinema dá-se com influência das novas opções estilísticas do cinema de documentário mundial, mas incorpora a realidade do país como elemento fundamental de suas obras. Têm apreço pelo mundo dos “excluídos”; a imagem do povo e da natureza nordestinos são caras a esse cinema que muitas vezes se confunde com o Cinema Novo brasileiro que também são elucidadores desses temas.
O grande marco desse cinema foi “Arraial do Cabo” (Paulo César Saraceni, 1959) que mostra uma vila de pescadores da cidade homônima do estado do Rio de Janeiro. Essa obra ainda contém traços estilísticos do documentário clássico, mesmo com uma temática diferenciada.
Assim como Saraceni, outros diretores engajaram-se nesse projeto de mostrar a realidade de forma documental. São eles nomes fundamentais na história do cinema brasileiro, como Leon Hirszman, que filmou Maioria Absoluta (1963), que explora o formato de entrevista ao problematizar a questão do analfabetismo no país, contando com a voz narrativa assertiva de Ferreira Gular orientando o espectador.
Em 1960, o filme “Aruanda” de Linduarte Noronha vem mostrar Serra Talhada, no alto sertão da Paraíba, e o povo de Santa Luzia do Sabugui em sua festa do Rosário, afirmando os preceitos do cinema documental que conversava com a estética cinemanovista.
Muito do que conhecemos em relação aos documentários de hoje em dia e suas questões éticas são reflexos desse cinema revolucionário e ideológico, preocupado com questões sociais, que foi o Cinema Verdade e o Direto, tão forte na década de 1960.
Por Letícia Vilela
(Referência Bibliográfica: RAMOS, Fernão Pessoa. Cinema Verdade no Brasil. In: TEIXEIRA, Francisco Elinaldo (org.). Documentário no Brasil: tradição e transformação. São Paulo: Summus, 2004).
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