Aposta de live-action começa muito bem, mas prossegue em queda livre
Estreou dia quinze “Kakegurui: Bet”, live-action original Netflix adaptando mangá de sucesso que se tornou anime e dorama. Com significativas mudanças em relação ao original, confira o que achamos da adaptação em nossa crítica abaixo, sem spoilers.
Premissa
Transferida de mais uma escola após ser expulsa pelo seu vício em apostas, Yumeko é levada a uma escola de elite, o St. Dominic Prep, onde o conselho estudantil tem poder absoluto. Aqui, as coisas são decididas em quão bom apostador você é: os dez primeiros fazem parte do conselho, já os endividados tornam-se servos coletivos, “pets”, sujeitos a humilhações e escrutínio por parte de seus colegas.
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Apaixonada pelo risco, a protagonista decide fazer parte deste grupo de elite como uma forma de se divertir, mas também trazer abaixo a estrutura de poder enquanto busca vingança pelo assassinato de seus pais.
Kakegurui, do japonês “loucura por apostar”
Assim que saíram as primeiras imagens de uma adaptação live-action da franquia, o tribunal da internet não foi piedoso. Sendo justos, ao que parte desses não se provariam tão infundados, a série já começava a surfar no marketing pelo hate majoritariamente gratuito — dizendo respeito a, por exemplo, características físicas das personagens.
Há uma perda de memória seletiva por parte da audiência quanto a plétora de adaptações japonesas em igual proporção mal sucedidas; Kakegurui, por exemplo possui um dorama de 2018, atores relativamente semelhantes ao original, mas não passa disso: um duvidoso desfile de cosplay com atuação no vale da estranheza. Coloquemos no mesmo balaio do que são: versões caça-níqueis pouco comprometidas com a inovação; e, se for para refazer o original, por que assistir o novo se o antigo já está lá?

“Kakegurui: Bet” tem a dificílima tarefa de adaptar uma obra que se mescla tão bem ao formato e que a traduzir literalmente no modo copi-cola cairia na estranheza, porém em um sentido desagradável. A essência da obra está no absurdo, no prazer quase erótico ao apostar, nas expressões exageradas, no faro de detetive da protagonista; tirar as caras e bocas é como cortar as asas de um anjo.
A escolha da versão estadunidense foi inteligente: a compulsão por apostas está presente, mas é graficamente diluída e mais representada retoricamente. Ainda assim, Yumeko (Miku Martineau) está maravilhosa, rouba a cena, e passa a confiança necessária — é certamente uma protagonista menos assustadora e falível que a original, mas o que há errado em uma outra perspectiva?
O principal erro do live-action, contudo, é a necessidade de encaixar a trama em um pastiche, isto é: ela sofre do terrível mal que é a síndrome de checklist de série adolescente de escala industrial dos EUA. Destaque excessivo para romance? Check. Referências desengonçadas à cultura pop? Check. Protagonista peito de frango cru no meio de um bando de malucos? Check. Crítica social inofensiva? Check.
É maravilhoso que se tenha entendido o recado de que a série o que é: uma adaptação, e que deve ser diferente, oferecer algo novo, mas não parece de longe haver a mesma ousadia que a tornou uma franquia de sucesso.
Ryota Suzui é um dos protagonistas no original, mas lá nem o romance é um destaque, e muito menos se tem algo recíproco, bem diferente do que ocorre na série. Isso não seria um problema aqui se Ryan (Ayo Solanke) não fosse um personagem tão desinteressante comparado ao resto do elenco, ou houvesse química entre os dois. Toda a trama envolvendo a virgindade de Ryan, bem como sua relação com Yumeko parece tempo de tela jogado fora comparado a, por exemplo, a relação da garota com Mary (Eve Edwards).
O começo é fresco, uma sólida nota quatro, e vemos ao longo dos três primeiros episódios potencial de manter o elemento policíaco da obra, com Yumeko descobrindo e desmanchando os trambiques dos trapaceiros da escola, entretanto a progressão da história apresenta cada vez menos desafios, progressivamente menos mentais — uma grande perda.
A virada de chave é na primeira trinca de episódios, com Yumeko revelando buscar respostas sobre o assassinato de seus pais, trama inédita. Daria para trazer coisas novas, porém, novamente falta tato para saber dosar isto — não há jogos interessantes para derrubar os poderosos, parece que o cérebro da protagonista derrete até a finale — falta também carisma e excentricidade aos vilões, o que é perdido em prol de uma crítica higienizada às elites, das quais, aliás, todo o elenco faz parte.

Encerrando sobre o elenco, salvo Yumeko, Mary e Kira — esta última com ressalvas — os demais personagens são uma bagunça preguiçosa. Michael (Hunter Cardinal) é uma versão blasé, igualmente sem graça, de Ryan, com a incrível alcance de duas expressões faciais. O restante não vale a pena ser comentado. Dori (Aviva Mongillo) é uma caricatura ruim do arquétipo arlequina, seu pseudo-arco de luta pela aceitação é uma das coisas mais rasas a despontar na Netflix desde “13 Reasons Why”; há um esforço hercúleo em pintá-la como outsider descolada — em dado momento, ela até chama outro personagem de ‘beta’ (woooooow!).
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A trilha sonora é divertida, músicas envolventes e escolha sagaz de versões japonesas de canções em inglês, mas sem muita substância além de Yumeko ser japonesa — apostamos cinquenta fichas que mais têm a ver com um desejo de tentarem criar uma trilha viral para TikTok. E isso está na engenharia do som, na sonoplastia: não se transparece loucura.
Em retrospecto, “Kakegurui: Bet” é uma história divertida, mas inconsistente, e que cai em qualidade sobretudo nos últimos episódios. Como fãs da franquia, estamos curiosos por mais, mas fica evidente a tentativa pouco sucedida de replicar a aura de trem desgovernado, ao passo que isso não pode ir além da conta — “é preciso que a série pareça louco, mas não demais” — o que a torna engessada, e retira a impressão de que tudo pode acontecer.
Outra vez, reiteramos que não é a distância do original e essencialmente a mudança que mina o potencial desta versão. Kakegurui foi alvo de críticas (carolas) ao longo dos anos pela sexualização dos personagens, mas sem isso — e longe de querer um novo “Elite” (2018) — os personagens só gostam muito de apostar, soa uma versão cheia de pudor pelo medo de errar. Jabami, sobrenome de Yumeko, significa “devorador de serpentes”, mas sem impor medo e sem se convulsionar com o jogo, por que seria o telespectador que deveria vibrar de fortes emoções em seu lugar?
Imagem Destacada: Divulgação/Netflix

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