Os ensinamentos dolorosos de Charlotte Perkins Gilman
Com o engajamento cada vez maior na luta feminista, verdadeiras obras primas da literatura mundial estão ficando em evidência na atualidade. Um ótimo exemplo disso foi a recente descoberta de um dos livros mais significativos sobre a literatura feminista, entre os séculos XIX e XX, “O Papel de Parede Amarelo”, da escritora norte-americana Charlotte Perkins Gilman.
A história narrada em primeira pessoa (na verdade um conto, curto), vai mostrando pouco a pouco a vida e a destruição da figura feminina na época, com a privação de tratamento médico para mulheres. No livro, a personagem é obrigada a se manter confinada contra sua vontade, por recomendação de seu marido e irmão, ambos médicos renomados, que tratam sua depressão como nada além de uma leve histeria. Além de ficar confinada, ela é proibida de fazer qualquer esforço físico ou mental, especialmente escrever. A narradora detalha, com bastante leveza e até certa inocência, que escreve, pois, é a única forma de se sentir aliviada, mas que o faz escondida, pois sabe que isso desagradaria seu marido.
Presa tanto tempo dentro de um único cômodo – o qual ela detesta com veemência no início – a faz desenvolver uma imensa obsessão pelo papel de parede que forra as paredes do quarto. Em sua descrição, ela enfatiza o quanto ele é perturbador e horrendo. Intrigada e sem possibilidade de se fazer mais clara e enfática para seu marido, ela é obrigada a viver naquele cômodo e adotar o papel de parede amarelo e, como ela diz algumas vezes, cheio de fungos, como seu desafio.
A heroína do conto vai mergulhando cada vez mais no enigma dos padrões que ela encontra no papel, que vão mudando e não seguem uma lógica linear. Com o tempo vai descobrindo, também, que o papel existe em dois planos: no primeiro, um padrão que se assimila a grades; o segundo, um sombreado que, pouco a pouco, se revela como a figura de uma mulher que tenta escapar das grades. A obsessão por desvendar o mistério das formas e cores vai levando-a a criar uma narrativa quase agoniante.
É possível imaginar o desespero de enxergar algo que mais ninguém vê, o tempo todo. E isso a faz ver que o que antes era uma mulher provavelmente tentando escapar das grades, se transformam em diversas mulheres que rastejam escapando daquelas paredes. E num misto de confusão e determinação, a narradora quer ajudá-las a escapar, mas também quer prendê-las no quarto, assim que destruir todo o papel nas paredes.
O fim do conto é previsível, mas ainda assim, não menos chocante. A ingenuidade que ela engole para fingir ser alguém a quem o marido aceita; o cansaço mental que sente em interpretar esse papel; a culpa que amarga ao aceitar que as atitudes do marido são, majoritariamente, para cuidar dela; a desconfiança que desenvolve de tudo e todos; o auge de sua loucura ao morder a madeira de sua própria cama, que fica pregada no quarto; a destruição de todo o papel de parede: todos os elementos mostram o quanto a mulher fora sempre negligenciada, seja pela privação de direitos, de intelecto ou mesmo de tratamento médico.
Charlotte, nascida em 1860 em Connecticut e criada em Rhode Island, foi uma ativista e intelectual feminista, autora de diversas obras, especialmente não-ficções, como “Women and Economics”, foi professora e em sua própria trajetória, também encarou o tratamento psiquiátrico negligente. Cita o médico responsável pelo seu tratamento em O Papel de Parede Amarelo (Dr. Weir Mitchell) de forma nada agradável, que orientou que Charlotte ficasse distante de qualquer folha de papel, lápis ou pincel; e ressalta a importância das mulheres lutarem para se desvencilharem das amarras que as levam, ou poderão levá-las à loucura e, em casos mais graves, ao suicídio.
“O Papel de Parede Amarelo” é uma obra de importância tão grande que ganhou uma famosa adaptação teatral por Sue Mach, com direção de Philip Cuomo e atuação magnânima de Grace Carter. Mach entregou ao público mais do que uma adaptação bem feita da obra de Gilman, ela entregou um presente que deve ser aproveitado por todas as mulheres da nossa geração.
Trecho do livro “O Papel de Parede Amarelo” (em português: Eu preciso dizer o que sinto e penso de alguma forma – é um alívio tão grande! Mas o esforço está se tornando maior do que o alívio).
Por Patricia Janiques
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