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Literatura

Resenha: O rio entre nós

Imagem/Reprodução: Editora Quixote+Do.

Você acredita que é possível amar mais de uma vez? Lançamento de abril da Editora Quixote+Do, fomos conhecer “O rio entre nós“, romance de estreia de Thiago Zanon. Nesta resenha, sem spoilers, vamos falar um pouco sobre este que já se tornou uma das leituras favoritas do ano.

Em breve sinopse, o romance é uma compilação das memórias de Alexandre, hoje mais velho, e de seu grande amor ainda à época da residência médica. Em natural vaivém as falas do que é passado e o que é presente se misturam, ao que o protagonista faz um balanço de seus erros e acertos.

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Alexandre é sangue quente, decidido, emotivo e extremamente controverso — muito longe de ser um mocinho. É no auge do preconceito HIV que ele não vê senão escolha senão procurar o seu lugar ao sol nesse mundo sem se esconder, mas isso igualmente terá os seus custos.

São Paulo, ou o resto da vida

A gente ama algumas vezes, hoje eu sei. Eu não amei só Sebastian, embora que só tenha amado Sebastian. Existe um amor, e depois todos os outros são mais ou menos bege, como se a lente pelo qual os víssemos passasse por algum tipo de mácula que torna todas as emoções menos potentes, entre o amarelo e o marrom. É triste pensar que eu também posso ter sido bege para alguém. Creio que a gente vive mais tempo do que precisa. Seria suficiente um amor, uma paixão inigualável e teríamos provado a vida. A busca incessante que se segue é frustrante. Depois da primeira vez, as músicas não mais nos tocam do mesmo modo, a poesia se esvazia. O rio entre nós, pg. 73.

Quem já sentou para escrever sabe o quão é difícil lidar com milênios nas suas costas de pessoas que já trataram sobre a mesma coisa — quando o assunto então é romance, contar uma história boa e interessante vira uma missão impossível: como tornar única uma cena de beijo com milhões de obras tentando o mesmo todos os anos?

Em “O rio entre nós”, o caminho encontrado pelo autor é a crueza. Explicamos: protagonizado por “Alexandre”, este livro de memórias do narrador não possui – ao menos até uma olhada cautelosa – filtro na hora de repassar os acontecimentos, colocando-se assumidamente como o “vilão” em certas circunstâncias.

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É verdade que o leitor é convidado a tornar-se cúmplice das impulsividades do jovem, conhecendo os detalhes por detrás de sua mente de titânio, porém, é o próprio Alexandre do futuro quem mais se censura, apontando aquelas que acredita serem suas falhas do passado.

Que isso não te deixe enganar: é por Alexandre que conhecemos a história e, a despeito de suas falhas apontadas, sempre existirá uma tendência, um “bias” narrativo. Pondo em palavras simples: o protagonista ser um livro quase todo aberto é uma armadilha perfeita que, proposital ou não, o autor colocou. Alexandre dita o ritmo e diz o que será contado e como, mas são seus silêncios que entregam alguns dos melhores ocultos momentos do romance.

Tal sensibilidade em tratar o não dito é um pequeno detalhe que dita a atmosfera em um livro que só vai crescendo conforme se lê (e é difícil de parar no meio): ainda dói a memória da voz ríspida do pai, bem como lhe é difícil lembrar da AIDS nos anos 90 e as microagressões familiares. Capítulos curtos, linguagem não truncada e personagens interessantes somam para tornar a leitura fluida como o título.

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Um romance de formação

Entramos no hall da casa e uma hostess nos recebeu, anotando algo em outra lista, enquanto repetia em voz alta meu nome, mais as palavras “e amigo”.

Não é amigo, é marido, já tem cinco anos, pode anotar aí”, ironizei. O rio entre nós, p. 119.

O rio entre nós” é, na voz deste crítico amargurado, uma grata surpresa, dessas de agradar gregos e troianos, desde que os leitores se permitam conhecer um lado obscuro deles mesmos.

Diz-se capaz de agradar um amplo grupo, desde os leitores de clássicos aos afeiçoados com o YA, porque Alexandre é um protagonista de romance moderno muito bem feito. Em sua peregrinação física e espiritual pelo mundo ele vem a passar (ou tentar) por cima de sentimentos alheios, sem que deixe de ser alguém complexo e carismático.

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Tão fragmentado quanta sua personalidade é o já mencionado estilo literário, atravessado pelo filtro das diferentes épocas. Alexandre trata o ambiente a sua volta sob olhares cético, um personagem sem corpo que te transporta para tanto a São Paulo quanto Praga dos anos 90 como se fossem velhos conhecidos; na beleza como na decadência dessas cidades.

Embora seja seu ponto forte, algo de fácil constatação por resenhas curtas pela internet, a descrição do ambientação ainda no primeiro quarto no livro por vezes perde a mão. Meio a tantas referências pop, o ritmo de escrita tão agradável de Zanon é diluído brevemente por um ruído de desassossego.

Pode-se argumentar que isso é proposital, afinal, essa parcela “nublada” do texto está inserida em um dos momentos de maior efervescência da vida do narrador, o que explica a confusão na forma e conteúdo.

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Ademais, não se pode negar que Zanon fez um ótimo trabalho de pesquisa, tanto transportando o leitor do céu para o inferno como construindo arcos narrativos interessantes no ambiente médico: Alexandre não é só romance, embora a sexualidade seja em vários sentidos uma inquietação para ele, o que o coloca em contradição ao longo da narrativa.

O livro

Publicado dia 2 de março e com lançamento previsto para este dia 19 de abril, às 19h na Livraria Travessa de Ipanema, Rio de Janeiro, “O rio entre nós” é o primeiro romance de Thiago Zanon, formado em Administração e Economia pela USP, pós-graduado em escrita literária e amante da literatura.

Título: O rio entre nós

Autor: Thiago Zanon

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Páginas: 270

Dimensões: 21 x 15 x 1.5cm

Editora: Quixote+Do

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Resenha: O rio entre nós
Sinopse
Prós
Escrita fluida e espirituosa, revelando os detalhes mais sórdidos sobre as personagens.
Vaivém do autor entre cenários e anos contribuem para desenvolver um clima especial de fragmentação e desassossego, mas com um estranho pertencimento.
A premissa parece simples (e é!), mas o autor é muito bom em envolver, contar uma boa história.
O protagonista pode ser muitas coisas, mas está longe de ser um mocinho ingênuo de YA LGBT.
As escolhas do narrador pelo que diz e pelo que diz constroem uma personagem crível e complexa.
Contras
Há um risco de dissonância nos primeiros capítulos com a profusão de referências musicais, alguma medida quebrando o ritmo narrativo —, porém é possível pensá-lo também como um efeito planejado (a refletir quem é o protagonista-narrador naquele momento do texto).
4.7
Nota
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Linguista e PhD em shoujo de baixa qualidade. Obcecado por cultura pop e leituras de qualidade duvidosa; ainda por descobrir que Kakegurui talvez não seja um traço de personalidade.

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