“Objetos Cortantes” foi o nosso primeiro contato com Gillian Flynn, autora de “Garota Exemplar”, que foi lançado em 2012 e que rendeu um filme. Coincidentemente, também é seu primeiro romance, e desde o princípio já deixa explícito toda sua habilidade em explorar aspectos da insanidade humana e o seu efeito nos relacionamentos pessoais e sociais.
Camille Preaker é uma repórter recém-saída de um hospital psiquiátrico e logo de cara precisa enfrentar um desafio: retornar à sua cidade natal para investigar o brutal assassinato de uma menina e o desaparecimento de outra. Uma tarefa que à primeira vista não seria tão traumatizante se sua infância não tivesse sido tão cheia de problemas e que desenvolveram nela uma profunda depressão. Por conta disso, Preaker encontrou na automutilação uma forma de lidar com os sentimentos ruins e uma amiga para os momentos em que mais se sentia mal.
Voltar para sua cidade natal, portanto, é revirar tudo aquilo que a jovem repórter tenta deixar para trás, mas que ao mesmo tempo carrega sempre em seu corpo. Um serial-killer aterroriza a pequena cidade em busca de meninas entre nove ou dez anos, nas quais ele executa um método brutal: as enforca com uma corda de varal, seguido então pela mutilação da boca da criança onde todos os dentes são arrancados. Ninguém entende como duas meninas podem ter desaparecido daquela forma e conforme você vai lendo, começa a querer uma resposta também.
A narrativa é tensa e cheia de reviravoltas e Flynn consegue criar um envolvimento com todos os personagens e a história da pequena cidade de Wind Gap, em Missouri. Com uma mãe neurótica, um padrasto e meia-irmã que praticamente são estranhos para ela, a repórter precisa ficar hospedada na casa da família e lidar com memórias difíceis de sua infância e adolescência.
Os personagens são complexos e meio perturbados, mas você só vai percebendo isso no final. Na medida em que as investigações para elaborar a matéria avançam, segredos macabros são desvendados somando-se a todos os problemas da repórter. Ainda assim, mesmo quando você acha que já descobriu todos os mistérios, Gillian dá um tapa na sua cara e te surpreende mais uma vez. Nós, inclusive, cheguamos a pensar que todo mundo estava envolvido nos assassinatos e que a próxima seria a Camille.
Transtornos e síndromes psicológicas, traumas familiares, automutilação, assassinato, solidão, superação da morte e ideias que a sociedade impõe as mulheres criam uma história na qual você perca a reação e peça por mais. Em nenhum momento nos sentimos no controle da situação e achamos que foi isso o que mais nos incomodou. Nos vimos presos naquela cidade, tendo que suportar todas aquelas coisas, assim como os outros personagens estavam destinados a suportar. Experimentamos cada dor, cada conflito, tristeza e mágoas e isso nos deixou muito tensos.
O que nos fez gostar ainda mais do livro foi o fato da Flynn ter trabalhado a questão do oportunismo da carreira de jornalista. Nos compadecemos da pobre Camille que teve um jogo de cintura surpreendente para lidar com o luto dos pais das crianças assassinadas e obter informações para escrever a matéria.
Achamos o final um pouco corrido, mas talvez ele não fosse tão perturbador caso terminasse de outro jeito. Pelo que nos lembramos da autora, ela realmente sabe como deixar o leitor desconfortável transformando qualquer situação banal em uma forma desesperada de escape para os protagonistas desequilibrados.
Por Paula Arbex
Quer estar por dentro do que acontece no mundo do entretenimento? Então, faça parte do nosso CANAL OFICIAL DO WHATSAPP e receba novidades todos os dias.
Sem comentários! Seja o primeiro.