O retorno ao luto que ninguém esperava
Qualquer pessoa que viveu a vida descentemente (ironia) na primeira década de 2000, conhece “Back To Black”. A canção emblemática de Amy Winehouse, também é título de seu segundo e último álbum em vida, que lhe rendeu 5 Grammy Award. Cantora, compositora e multi-instumentistas, de voz e estilo incomparáveis, Amy Winehouse nasceu em 1983 e veio a falecer em 2011, aos 27 anos. Com uma carreira meteórica, que se iniciou com o lançamento de seu primeiro álbum “Frank” (2003), foi com “Back To Black” (2006), que seu merecido reconhecimento mundial chegou. Em 2007 foi o álbum mais vendido do mundo, e o Soul e o Jazz voltaram com força as paradas e aos ouvidos do público.
Seu terceiro álbum em estúdio viria no início de 2012, mas no dia 23 de julho ela foi encontrada sem vida, por morte acidental, decorrente do consumo abusivo de álcool após um período de abstinência. O projeto acabou sendo lançado em 14 de setembro de 2011, data que completaria 28 anos. “Lioness: Hidden Treasures”, é uma reunião de canções gravadas por Amy entre 2002 e 2008, incluindo a canção “Body and Soul”, gravada em parceria com Tony Bennet. O dueto inclusive lhe rendeu um Grammy póstumo na categoria “Melhor Performance Pop em Duo ou Grupo”. O legado de Amy, transcendeu a música e ganhou força na cultura popular de maneira geral. Camisetas, canecas, quadros, imãs, bonequinhas, temas de festa, livros, estátua de bronze e até um Prêmio, o The Winehouse Award. A título de curiosidade, a baiana Clariana ganhou o prêmio em 2020 como Melhor Tributo, com seu projeto “Amy Reggaehouse”.
Por infelicidade do destino, Amy entrou para o “Clube dos 27”. Triste e sombrio, sabemos. Brian Jones, Jimi Hendrix, Jean-Michel Basquiat, Janis Joplin, Jim Morrison, Pete Ham e Kurt Cobain são outros cantores/musicistas que faleceram com a mesma idade. Em 2015, durante o Festival de Cannes, foi lançado o longa documental “Amy: The Girl Behind The Name”, disponível na Apple Tv para aluguel, que ganhou os críticos e se tonou um fenômeno de público. Até 2015 arrecadou 22 milhões de dólares mundialmente, ganhou o Grammy de 2016, na categoria “Melhor Documentário Musical”, e o Oscar de “Melhor Documentário”. Também disponível na Apple Tv para aluguel, temos o “Amy Whinehouse: Back to Black” (2018), outro documentário, como novas entrevistas e imagens inéditas da artista e todo o processo de criação e produção desse álbum emblemático.
Agora, no dia 16 de maio, tivemos a estreia nacional da cinebiografia da artista em “Back To Black”. Trama que se propõe a contar sua vida de maneira ficcional e, de certa forma, voltar ao luto dos fãs de Amy. Escrito por Matt Greenhalgh (As Estrelas Não Morrem em Liverpool | 2017) e dirigido por Sam Taylor-Johnson (Cinquenta Tons de Cinza | 2015), eles disputam aqui quem tem a poça de rua mais rasa. Deixando o deboche de lado, queremos deixar claro aqui que, tanto o roteiro quanto a direção, não passam de superficialidade. Dentro desse contexto podemos exemplificar com “Bohemian Rhapsody (2018)” e “Rocketman (2019)”, que são dois bons filmes cine biográficos, mas que conquistaram pelo carisma do elenco e megaprodução, não por sua complexidade humana ou na retratação fidedigna de suas personas. E nesse caso, o que temos é uma superficialidade de tudo, de contexto, de drama, de pauta e de exaltação a artista. Mas o fato de ter o dedo o pai, Mitch Winehouse, na produção, já diz muito sobre o que esperar – em letras garrafais – INFELIZMENTE.
Matt e Sam reduzem a trajetória caótica, original e meteórica de Amy em fragilidades maçantes. Por vezes é como se assumissem umas péssimas expressões populares como: “Sim, ela é genial e difícil, mas qual gênio não é?” ou algo do tipo “Ela era ‘maluquinha’, mas era uma boa pessoa.” Seus problemas com alcoolismo, abuso de drogas e ansiolíticos, bulimia alcoólica, anorexia, e seu toxico relacionamento com Blake Fielder-Civil possuem pouquíssimo tempo de tela e, por consequência, rara notoriedade e verossimilhança na trama. Isso significa que queríamos assistir a história da degradação de uma estrela? Obviamente que o foco não é esse, mas tratá-los como momentos, não é o que se espera. Da mesma maneira, que a paixão de Amy pela música, seu prazer em cantar e compor, suas referencias e genialidade profissional, também são momentâneas no filme.
Mesmo com excessos de recortes de luz a cinematografia de Polly Morgan (A Mulher Rei | 2022) é um dos destaques técnicos do longa. Limpa, bem executada e sem pretensões estéticas. Alinhada a edição de Laurence Johnson (Dungeons & Dragons | 2023) e Matin Walsh (Liga da Justiça | 2017) é o básico que dá certo. E deu muito certo. Outra proeminência é a trilha original de Nick Cave (Dahmer | 2022) e Warren Ellis (Blonde | 2022), muito sutil e tocante, salientando “Song For Amy”. Outro bom recurso sonoro foi a inserção de canções que são referencias da artista. O grupo feminino da década de 60, The Shangri-Las, por exemplo, tem a canção “Leader Of The Pack” usada (Spoiler Alert) quando Amy conhece Blake em um típico pub londrino. Já um departamento de altos e baixos é a direção de arte de Alex Bowens (Marvels | 2023) e Joe Howard (Barbie | 2023) que é extremamente bem pesquisada e executada, mas perde em ser limpa, clean demais para a proposta. Falta a sujeira do dia a dia, a vivência dos espaços ocupados faz a diferença para ambientar a densidade da história.
Existem muitas formas de homenagear alguém e nesse caso é o trabalho de Marisa Abela, como a protagonista, que carrega o filme nas costas, sozinha. Carisma, voz, maneirismos, olhar, presença, tudo que ela podia usar e representar ela trouxe à tona. Só não podemos considerar seu trabalho impecável, porque ele sofre a interferência de uma mediana caracterização. Sem contar que a atriz, que é mais encorpada, talvez por falta tempo hábil para a produção, não conseguiu emagrecer. Então, do meio para o final do longa, ela continua com o mesmo corpo e não passa nem perto do físico da Amy nos anos finais de vida. E assim, nem a caracterização, nem o figurino, conseguiram essa veracidade visual.
Se tratando de carisma, o elenco principal como um todo merece reconhecimento. Eddie Marsan, como seu pai Mitch, traz outro tom bem diferente do que conhecemos, vemos e ouvimos falar. Ausente, oportunista e mercenário, adjetivos que facilmente são dados ao pai real, ficaram bem longe do drama. Eddie, soube trazer outro desenho e que, ainda por vezes distante, fazia presente na vida da filha. Lesley Manville dá vida a Cynthia, avó de Amy, que foi uma grande referência e influência na vida da cantora. Ela nos conquista nos primeiros momentos de tela, em uma conversa a mesa, e depois, indevidamente, vem perdendo o destaque até o momento de sua morte, que também nos remete ao título do filme. Por último, temos Jack O’Connell como Blake, retratado como um “resultado da situação”. Nesse recorte de “Oh vida! Coitado de mim…” podemos dizer que, talvez, alguém pode até sentir empatia pelo personagem, exatamente pelo trabalho persuasivo de O’Connell alinhado ao discrepante contexto escrito em roteiro.
“Back To Black“ é uma uma colcha de retalhos em que, como todo filme musical e/ou musicado se propõe, sua história é contada e cantada para contextualização (costura). Como Amy escrevia sobre suas próprias experiencias de vida, fazer essas costuras não seria um trabalho difícil. E de fato não foi. Mas no final, embora com um ótimo trailer para atrair o público, é o elenco e a potencia de Amy que nos leva a gostar minimamente da produção. Esse inclusive pode vir a ser o motivo de ter um publico para abraça-lo. Por ser uma figura tão icônica, em voz, em musicalidade e história, até tardou em termos sua vida contada de maneira ficcional. Mas em forma de homenagem, falto algo que a própria Amy Winehouse gostava e não tinha vergonha: A verdade.
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