Brasileira que cresceu no Japão, retornou para o Brasil com sete anos e aqui despertou a atenção da Avó por gostar muito de correr e dançar pela casa sozinha, falando consigo mesma e criando diferentes vozes para vários personagens – às vezes fazendo as duas partes do diálogo. Ela também escrevia histórias e nos almoços de família do domingo, subia na mesa e se apresentava. Foi então que sua avó a colocou em um curso de teatro infantil e dai por diante ela não parou mais.
Hoje essa jovem atriz, que já passou também por Nova York, volta ao Japão em busca de aprofundar e conhecer mais das técnicas milenares que os orientais praticam e em busca de enterar-se na técnica Maisner da qual ela fala um pouco pra gente nessa entrevista.
Adriana Dehoul – Quando que a técnica de Meisner despertou o seu interesse?
Paula Berwanger – Eu tinha um pouco de medo de estudar teatro fora. Não conhecia ninguém nesses lugares como Nova Iorque, Los Angeles, Londres e tinha ouvido de diversos amigos atores, que investiram muito dinheiro em estudar fora, que tinham ficado decepcionados com o curso que fizeram, que os cursos que mais faziam propaganda (os mais fáceis de se achar na internet) eram os que mais tinham turmas gigantes
com professores despreparados. Aí uma amiga minha, a Ana Varella, que por força do destino conheceu dois protagonistas da Broadway, o Kevin Massey (musical Memphis) e sua esposa Kara (musical Newsies e depois fez a Glenda em Wicked), organizou um curso de duas semanas para brasileiros junto com o Kevin, que chamou para dar aula professores com quem ele mesmo treinou ou treinaria pra uma audição.
Meu foco não era muito teatro musical. Sempre gostei mais do teatro ‘normal’. Mas eu pensei: se o cara que é protagonista da Broadway faz aulas com esses professores, então devem ser bons. E era uma oportunidade de conhecer NYC e seu teatro por dentro.
Teve um professor, o Wayne Duvall, que na época estava em cartaz com o filme Lincoln (do Spielberg), que eu achei muito bom. Ele falou que ele praticava uma técnica chamada Meisner, explicou como que ela funcionava e fez total sentido pra mim. Então depois da aula eu fui falar com ele e perguntei onde eu poderia estudar teatro (não musical) em Nova Iorque que não fosse numa universidade, mas que fosse muito bom. (porque eu estava já fazendo faculdade de cinema no Rio e porque as universidades nos EUA são caríssimas). Ele falou para procurar o Bill Esper. Foi com quem ele tinha estudado e única pessoa que ele recomendaria.
Ainda assim, não fui imediatamente. O curso do Bill Esper era um curso de dois anos, que seria um grande compromisso de tempo e de dinheiro. Guardei essa informação por quase três anos até que realmente fui.
A.D. – Quando que você decidiu ir estudar em NY?
P. B. – Eu tinha começado a fazer participações em séries na GNT e no Gloob, e saía do set de filmagem insatisfeita com o meu trabalho. Eu sabia que não estava feliz com a qualidade, mas não sabia como resolver isso. Uma coisa que estava especialmente me frustrando era que depois de 17 anos estudando atuação, eu não sabia me preparar para TV. O único jeito que eu sabia trabalhar bem era ensaiando com o outro ator, tendo uma dinâmica de troca, marcando, passando e passando e passando e melhorando gradativamente. Uma forma de trabalhar que só funciona no teatro. Eu ia para um set de filmagem sem nunca ter visto os outros atores (em pessoa), sem nunca ter ensaiado.
Eu não sabia me preparar para esse tipo de situação. Além de decorar o texto, eu não tinha ideia do que fazer. Eu não podia simplesmente ensaiar a cena sozinha de acordo com o que eu achava porque eu não tinha tido uma troca com o outro ator, eu não sabia como ele ia fazer a parte dele, e portanto eu não sabia como eu ia reagir. Eu queria ir para o set e dar a melhor atuação que eu pudesse dar, melhor do que eu já tinha dado num palco. Mas depois de 17 anos, eu sentei com um texto sozinha em casa e simplesmente não sabia o que fazer.
Outra coisa que estava pesando era a satisfação que me dava estudar música. Mesmo se eu não quisesse ser uma cantora ou musicista profissional, eu via sentido naquele estudo. Eu fazia percepção musical com a Alessandra Quintes e canto com a Mirna Rubim e sentia que fazendo os exercícios com regularidade eu ia melhorando de semana em semana. Se eu não fizesse, de uma semana para outra eu não via diferença e se eu ficasse muito tempo sem fazer, começava a voltar pra trás. Então meu progresso era proporcional com o meu estudo e o meu esforço. Isso era uma satisfação que eu não tirava das minhas aulas de teatro. Primeiro que eu não sabia nenhum exercício para fazer em casa sozinha. Se eu não estivesse fazendo uma montagem, não tinha nem como praticar. Segundo que com os exercícios que fazia nas aulas de teatro em grupo eu só via melhoras sutis e em determinadas áreas. Eu via que de um ano para o outro a turma estava melhor, mas pra mim era tudo meio etéreo. Eu tinha lido o livro do Bill Esper, que explica como o curso é ensinado, e os exercícios ficando progressivamente mais difíceis, e lendo eu conseguia ter uma ideia de até onde eu achava que conseguiria executar. Também vi outros lugares, conversei com outras pessoas, enfim. Mas essa técnica ficava ressonando na minha cabeça. Até que um dia tomei coragem, pedi pelo amor de deus para o meu pai me ajudar a pagar e fui.
A.D – E você acha que essas perguntas foram respondidas? Em que essa técnica ajudou?
P.B – Sim e muito. Diferenças que eu vejo:
1 – Sei treinar sozinha em casa. Sei treinar para chegar preparada numa filmagem ou ensaio. E também sei treinar para não perder o hábito – não fico a mercê de ter uma montagem para estar praticando.
2 – Não fico dependente de talento ou inspiração. Técnica é técnica. É conseguir entregar uma coisa boa quando eu to mais ou menos. É ter no que me segurar quando eu não estou inspirada, ou se estou cansada, ou sensível demais porque alguma coisa aconteceu. Não deixar a performance ser afetada pelo meu dia.
3 – Não ser dependente da qualidade da atuação do outro ator. Claro que tem que ter troca. A base de tudo é a troca. Ou, no vocabulário de Meisner: contato. Mas ao mesmo tempo eu não posso colocar minha carreira a perder porque contrataram um mau ator. Hoje eu sei usar o próprio contato para resolver isso.
4 – Garantia de entrega. Eu tinha uma cena na escola que o personagem com o qual eu contracenava tinha duas falas dizendo que eu estava chorando. Por uma questão de justificativa, para ele poder dizer essas duas falas, eu tinha que começar a chorar antes que a fala dele viesse. Eram dois momentos distintos que tinha que chorar na deixa. E isso é um saco, mas acontece. Está cheio de peça e filme assim. Filme ainda dá para cortar, editar, pegar de outro ângulo, mas teatro não tem jeito. Tem que ser na marca. E isso é uma diferença que eu vejo muito no mercado fora. Eles querem um ator com um bom domínio técnico porque querem alguém que vai entregar o que eles precisam. Tem muita soprano que de vez em quando consegue acertar o Mi da Christine no Fantasma da Ópera. Mas para pegar o papel, você tem que garantir que consegue fazer todo dia.
Um professor lá da escola, chamado David Kaplan, que é um diretor de teatro respeitadíssimo falou: eu não contrato o ator mais bonito, nem mais inteligente, nem o melhor ator. Eu contrato o ator com quem eu mais posso contar.
A.D. – Porque escolheu ir para o Japão?
P. B. – Pois tem uma cultura milenar de teatro tradicional, e as técnicas americanas como a que eu estudei chegaram aqui já faz quase três décadas.
A.D. – Onde os leitores podem encontrar mais sobre a técnica?
P. B. – Não tem muitos livros em português mas podem conferir uma tradução que fiz livremente no meu site aqui.
Esperamos que esteja curtindo a entrevista até aqui, mas como estava ficando um pouco longa decidimos dividí-la e os detalhes sobre a Técnica Meisner veremos na segunda parte da entrevista.
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