O renascimento da DC
Quando a DC Comics resolveu dar o “sinal verde” para a criação de seu universo estendido nos cinemas, com a parceria e distribuição da gigante Warner Bros., a reação inicial do público foi de extrema felicidade. Tudo isso graças ao estrondoso sucesso feito pela psicológica “Trilogia Cavaleiro das Trevas”, na qual o diretor Christopher Nolan (“Truque de mestre” e “A Origem”) soube aprofundar com inteligência na dramaticidade das personagens ao mesmo tempo que criava a atmosfera sombria que a história necessitava. Através da visão de Nolan, tivemos um “Batman” praticamente reinventado! Sem perder a fidelidade, o criador esculpiu a criatura com veemência, nos oferecendo algo novo, palpável e visceral. Sua abordagem, focada em um drama policial, roubava literalmente a cena imposta pelos heróis inimagináveis dos quadrinhos e, pela primeira vez, transformava os fictícios embates do homem morcego em algo mais admissível.
O retorno de bilheteria e aceitação do público, bem como as inúmeras indicações ao Oscar e premiações (incluindo uma póstuma de ator coadjuvante para Heather Ledger, por dar vida a um inesquecível Coringa) para a trilogia, despertaram o interesse dos produtores pelas enigmáticas personas criadas pela DC. O resultado foi o desenvolvimento do já citado universo estendido, responsável por ampliar e entrelaçar diferentes acontecimentos e cenários oferecendo uma possível sequência às suas diversas tramas abordadas no cinema. Com o apoio do próprio Nolan, dessa vez por trás da produção executiva, o pontapé inicial foi um tanto quanto modorrento com a chegada de “Man of Steel”, dirigido por Zack Snyder. Embora o filme tenha também ganhado um ar mais pesado, tentando seguir um estilo mais próximo dos filmes anteriores do Batman, ao mesmo tempo que arriscava um pouco na conhecida estética proposta por Snyder em outros filmes orquestrados por ele, o retorno do “Superman” foi nada mais do que interessante. Todavia, essa entrada foi essencial para abrir espaço para um dos encontros mais aclamados da cultura pop, o famigerado confronto dos homens de aço e morcego. “Batman Vs Superman”, estreou dividindo muitas opiniões e causando um certo receio em parte do público que achava que a DC Comics não estava fazendo um bom trabalho. Entretanto, mesmo com alguns problemas, o filme trouxe uma ótima proposta e amarra explicações importantes para uma melhor coerência dos enredos. Sem falar que apresenta com sensatez a personagem da Mulher Maravilha nos acontecimentos que circulam a vida dos protagonistas. Contudo, para desespero dos fãs, pouco tempo depois uma nova produção chegou ao mercado para provocar um verdadeiro furor de negatividade e instalar uma onda gigantesca de desanimação com os filmes de super-heróis da DCC. Sem nenhuma estrutura narrativa e uma direção preguiçosa de David Ayer, “Esquadrão Suicida” tropeça feio no que poderia ser a grande cartada da empresa e oferece o pior filme feito dentro do projeto estabelecido pela mesma. O que acabou criando um clima mais pesado de dúvidas em relação as próximas obras. Dúvidas quais, impregnou as mentes de fãs, críticos e até a concorrência. Será que eles ainda tinham combustível para alavancar e alcançar a grandiosa Marvel e suas populares adaptações cinematográficas?! Eis que a resposta para esse dilema chegou e o nome dela é “Mulher Maravilha”.
O enredo nos apresenta a melhor narrativa construída para DC desde da trilogia de Christopher Nolan, nos revelando com bastante fidelidade a trajetória da imbatível Diana Prince. A princesa das Amazonas, filha da rainha Hipólita, foi esculpida do próprio barro pela mãe, que pediu aos deuses que lhe dessem a vida (uma espécie de alusão ao mito grego de Pigmaleão). A menina cresceu apaixonada pelo pequeno mundo a sua volta, a oculta Themyscira, uma Ilha Paraíso povoada apenas por poderosas mulheres. Influenciada por sua tia, Antíope, desde cedo se viu interessada pela vida dessas guerreiras, que treinam incansavelmente para impedir um possível retorno e domínio de Ares, o Deus da guerra. Com intuito de ser a melhor entre elas, ela treina constantemente para ajudar a proteger o lugar onde vive. Não obstante, a chegada de um piloto acidentado amplia os horizontes de Diana e ela percebe que sua luta está muito além da ilha. Convencida de que é a pessoa certa para impedir um possível caos no mundo, mesmo sem conhecer todas as verdades, ela parte com intuito de enfrentar seu grande inimigo.
A produção – que traz nomes como Zack Snyder (“300” e “Homem de Aço”) e Rebecca Steel Roven (“Batman – O Cavaleiro das trevas”) – é um verdadeiro deleite para os fãs e uma grande surpresa para o resto do público, pois apresenta uma obra que aborda assuntos importantes e atuais, sem precisar cair no mais do mesmo. Com um trabalho excepcional feito pela equipe de efeitos práticos e visuais, não abusando das possibilidades, o filme chega de forma impactante e coloca um fim na discussão de que a DC não sabe produzir filmes de super heróis.
O roteiro, escrito por Allan Heinberg, é muito bem pontuado e faz jus ao trabalho criado por William Moulton Marston, defensor confesso do movimento feminista, que tinha como objetivo desenvolver uma personagem forte, independente, que lutasse pelo amor e a paz no mundo. De forma bastante rigorosa, Heinberg respeita a concepção de Marston e idealiza um história emponderada e tangível em vários aspectos. Ele, que é acostumado a escrever para séries de tv, faz sua estreia como roteirista de longas metragens com um blockbuster e, diferente de muitos outros, acerta em cheio na estrutura dramática da história e na composição psicológica de suas personas, costurando quase que perfeitamente todos os detalhes da narrativa. Os diálogos, embora sejam bem elaborados e constituam uma linha coesa de ação, tornam-se exagerados em alguns pontos da projeção, pendendo um pouco para o exagero. Algo que incomoda, mas não atrapalha.
Também acostumada com séries de tv – com uma ressalva para o aplaudido “Monster – Desejo Assassino”, único longa que dirigiu – Patty Jenkins simplesmente rompe todas as possíveis barreiras de qualidade com seu audacioso trabalho em “Wonder Woman”. Sua decupagem de direção é precisa e agradável de se ver (diria eu, tranquilamente, de analisar), uma vez que suas escolhas de planos dialoga de forma autêntica, sensível e bastante equilibrada com a trama e os quadrinhos. Desde o corajoso uso da câmera lenta aos movimentos precisos de câmera, ela busca não deixar nada fora do lugar. Talvez peque por liberar uns excessos de CGI – como a colagem mal feita do rosto do ator que interpreta Ares, no corpo de outra pessoa e em uns momentos das cenas de luta -, porém arquiteta uma realização consistente e superior a muitos outros filmes do gênero.
O elenco é encabeçado pela carismática e talentosa Gal Gadot, na pele da heroína “Mulher Maravilha”. A atriz é uma grande descoberta e já vinha mostrando um bom desempenho em algumas participações na franquia “Velozes e Furiosos” e várias séries televisivas. Entretanto, é aqui que ela prova que veio para ficar. É seguro dizer que, ao dar vida a Diana, ela deixou tão boa impressão que seria difícil substitui-la por outra atriz no futuro. Chris Pine (“Star Trek”), interpreta o piloto Steve Trevor e também está muito bem em cena. O mesmo pode ser dito de Saïd Taghmaoui, Ewen Bremner e Connie Nielsen, que apresentam construções fortes e gestos psicológicos que condizem com seus papéis. Robin Wright (“House of Cards”), encarna Antiope sem esforço e nos instiga com mais um trabalho notável. Já David Thewlis (franquia “Harry Potter”) entrega um uma personagem excelente até um determinado momento do filme que deixa a desejar com entonações forçadas. Da mesma forma que Danny Huston e Elena Anaya, como os vilões Ludendorff e Dr. Maru. Em certos momentos eles acabam realizando uma construção caricata, bem ao estilo dos arquétipos criados para os quadrinhos. Porém, eram excessos que poderiam facilmente ficar de fora.
Matthew Jensen, responsável pela fotografia do ótimo “Poder sem limites” e “Quarteto Fantástico”, propõe aqui uma elegante harmonia de cores. Sua direção de fotografia desconstrói as diversas partes da do enredo e aplica corretamente as paletas de cores que conciliam-se uma com a outra do início ao fim. Os tons mais quentes criam a atmosfera da Ilha Paraíso, mostrando as belezas naturais e arquitetônicas do lugar. Já as gradações de cinza revelam uma Londres dividida pelo lado obscuro da guerra e as cores dos grandes salões. Já os campos de guerra, esses são tomados por uma sombria tonalidade agregada a um filtro verde. Uma proposta que presenteia uma evolução fotográfica totalmente psicológica, normalmente utilizada em filmes de teor mais dramático.
A direção de arte de Anna Lynch-Robinson (“Os Miseráveis”) e o figurino de Lindy Hemming (“Trilogia – O Cavaleiro das Trevas”), também são outros dois pontos que destacam muito bem a qualidade do design de produção do filme. A reconstituição de época, bem como a composição das cores utilizadas no cenário e vestimentas, adequam perfeitamente à luz criada para filme, não deixando nenhuma incoerência na estética decidida.
E para concluir como a última jóia da coroa temos uma trilha sonora motif, suave, que cresce junto com o filme. A criação de Rupert Gregson-Williams (“Até o último homem”) é um elemento chave da obra, permeando-a em quase toda projeção. Chega a ser bonito de escutar.
“Mulher Maravilha” não só é um dos melhores filmes de super heróis de todos os tempos, como entra facilmente para galeria dos dez mais (ou quem sabe cinco). É um filme consistente, bem desenvolvido e coloca a DC Comics novamente nos trilhos das produções para cinema. Vale a pena assistir, de preferência em IMAX.
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