Aviso: contém spoilers
Selfies matam mais que ataques de tubarão, dizem as estatísticas que correm a internet. A informação é curiosa, mas dispensável para prever que os autorretratos capturados com a câmera frontal de celular em algum momento iriam cair na peneira da indústria do horror – em especial a de filmes B -, afoita em transformar tecnologia do cotidiano em ameaça sobrenatural. Dito e feito: depois da leva de títulos que assombrou o Facebook, como “Amizade Desfeita” (2014) e “Friend Request” (2016), agora é a vez de “Selfie para o Inferno” tentar assustar com a possibilidade da sua bela foto, seja na praia, em um café, ou no espelho do banheiro de casa, ser um termômetro para a presença de espíritos.
Pelo menos é assim com Julia (Meelah Adams), uma produtora de conteúdo para a web que após se envolver em uma pesquisa sobre o lado sombrio da internet começa a ser assombrada por uma entidade maligna que só pode ser vista quando a garota se fotografa. De passagem pela casa da prima, Hannah (Alyson Walker), ela entra em coma após ser atacada pelo espectro. Quem começa a ser assombrada, então, é a anfitriã que diante de episódios estranhos, como receber no celular pedidos de socorro da familiar inconsciente, resolve investigar o que ela sabia demais para estar com a vida em risco. Dica: tem a ver com DarkNet, serial killers e 13 selfies.
Tão estúpido como o título e a premissa sugerem, o longa-metragem de estreia de Erdal Ceylan é uma tradicional amostra de projetos preguiçosos que saem do papel em busca de conseguir dinheiro fácil. Neste caso, o que alimenta a produção é interesse mórbido do público, ainda disposto a pagar para assistir alguns tipos de freakshow, força motriz para que o cineasta de primeira viagem, com o aval de seus financiadores, esticasse em uma hora e quinze minutos um curta homônimo – e igualmente ruim – de menos de dois minutos que foi popular na internet. O resultado não é nada bonito de se ver.
Com uma aberração de roteiro, “Selfie para o Inferno” é uma sequência mal-ajambrada de disparates, sustentada por situações quando não inverossímeis, constrangedoras. Depois de atrair o espectador para a armadilha da foto assassina, o filme nos obriga a acompanhar a mocinha suspeitamente parecida com a Naomi Watts – talvez uma tentativa miserável de criar uma associação inconsciente com “O Chamado” (2002) – dar seus dados pessoais para servidores criminosos online, entrar e sair a esmo de salas de bate-papo à procura por ajuda e, no final das contas, descobrir que seu inimigo é o fantasma multitasking de um assassino em série, que de um aparelho celular em um galpão abandonado consegue não só administrar uma sala oculta na web que disponibiliza imagens de seu cadáver enforcado, suas selfies, como condenar à morte quem olhar para elas.
É esdrúxulo e consegue ficar ainda pior com os mistérios – lê-se desleixos – que a produção deixa no ar. Por que a protagonista percebe que sua prima está em coma e não chama um médico? Como a garota inconsciente se mantém viva, já que está há mais de dois dias sem comer e não é assistida por sonda alimentar? Hannah não deveria prestar assistência a amiga ou deixá-la nas mãos de alguém que o faça? Como é possível que ela peça ajuda para apenas uma pessoa, o colega de trabalho (Tony Giroux) que nunca viu pessoalmente na vida? A personagem não tem amigos próximos ou família? Provável que a resposta para essas perguntas seja “poder sobrenatural”, a mesma força fora do plano terreno que, em um dos momentos de glória do longa, se dá ao trabalho de transformar um emoji feliz, que a heroína desenha para se acalmar, em um emoji triste.
Episódio elegante que, como é de se esperar, vem acompanhado dos clássicos acordes súbitos na trilha sonora para deixar apreensivo quem assiste, prova de que se como roteirista Ceylan é uma vergonha, como diretor é pior ainda. Conseguindo no máximo arrancar risadas não intencionais com os desdobramentos do seu script, o cineasta usa o recurso nas situações mais banais para extrair qualquer arrepio que seja; da protagonista escovando os dentes à sua internet não conectando no computador. Falta de expertise que aparece também na forma como ele não demonstra saber o que fazer com a câmera, que se limita a sempre flutuar, trêmula, como uma presença fantasmagórica.
O desconcerto é tamanho que até elementos básicos que deveriam funcionar, como a fotografia e os detalhes inseridos na pós-produção, falham. Sem saber que caminho seguir, a cinematografia parece, de forma arbitrária, saltar da iluminação naturalista para ameaçadores luzes coloridas, ferramenta narrativa que foi melhor empregada em títulos recentes como “O Homem nas Trevas” (2016). O terrível é que na mudança de uma para a outra, ficamos presos em uma cena fotografada no escuro com tanto amadorismo que é impossível enxergar o que acontece.
Amador já não é bem a palavra para descrever o trabalho de motion graphics do projeto, mas sim desmazelo. Selfies tiradas pelos personagens na vertical ganham efeitos de reprodução de tela como se o aparelho estivesse na horizontal e notificações de vídeo mostram-se, na verdade, mensagens em áudio. São minúcias, mas atestam a incompetência de um filme que, no mínimo, deveria acertar nos pormenores do tema que pretende explorar.
“Selfie para o Inferno” é uma experiência dolorosa, um equívoco para o cinema, assim como o leetspeak, o alfabeto que troca letras por número, é hoje para internet. Na realidade, talvez só o último possa descrever o primeiro: H0Rr1v3L.
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