Durante a ditatura militar, mais especificamente entre os anos de 1967 e 1974, houve uma guerrilha formada pelo Partido Comunista do Brasil que se instalou na floresta do Amazonas, em um território próximo do rio Araguaia. Uma força armada de 5000 soldados foi enviada pelo Exército Brasileiro para conter esse movimento (que havia pouco menos de 100 pessoas), e tudo que resultou dessa operação foi mantido em silêncio, com muitas de suas informações só sendo descobertas na década de 1990.
O documentário “Soldados do Araguaia” surge, então, como uma forma de contar o que aconteceu nesse conflito, utilizando do ponto de vista dos recrutas do exército que foram designados para a área. Porém, ao contrário do modelo estadunidense de enaltecer as suas forças armadas que se espera de um relato do gênero, o que se encontra aqui são homens quebrados, arrependidos e traumatizados com a sua experiência miserável, que compartilham com o espectador, como a falta de informação sobre a missão, a impotência diante de barbaridades cometidas por outros oficiais e até mesmo a sua tortura nas mãos de seus superiores.
Seguindo um padrão do gênero, todo o longa é construído através de depoimentos, tantos dos ex-soldados como de psicólogos que acompanham diversos casos semelhantes de estresse pós-traumático em militares. É visível também o trabalho de pesquisa que a equipe de produção realizou, principalmente em cima de um tema tão polêmico, com material difícil de ser encontrado, que é refletido no filme através do uso de imagens e alguns vídeos da época.
Também presentes na produção são as cenas gravadas para ambientação na floresta do Amazonas. Enquanto o uso dessas “reencenações” poderia dar um ar brega à produção, semelhante a programas de TV do History Channel, a direção de Belisário Franca é eficiente em utilizá-las, junto com a edição de som, como um fundo atmosférico para os relatos. Isso é realçado pela fotografia de Mario Franca, que é tão sombria e tenebrosa quanto as histórias que estão sendo contadas. Também é notável como as entrevistas com psicólogos são gravadas em cenários casuais, mas as dos soldados ocorrem em um fundo preto infinito, que ressalta a gravidade do que é dito.
O diretor também faz uma escolha diferente na hora de apresentar os seus entrevistados: nos primeiros minutos de filme tudo que se vê são os planos de rios e florestas da região, enquanto os homens contam sobre sua vida e infância em voice-over. Eles são finalmente introduzidos, quase como um pelotão, em uma sequência silenciosa que os mostra, um de cada vez, com seu nome e patente em cartela. Nessa cena, a falta de palavras e suas expressões faciais falam muito mais do que uma apresentação formal diria.
Outro aspecto que é bem discutido é a marginalização dessas pessoas e como a vida deles foi arruinada por esse evento caótico. A trajetória do grupo é explorada, com a maioria tendo histórias similares: cresceram em famílias locais mais pobres e conheciam bem a região, se alistaram por um tipo de “pressão social”, serviram como recrutas negligenciados, que não sabiam o que estavam fazendo e nem o porquê, presenciaram atrocidades (incluindo algumas contra suas próprias famílias) e foram dispensados da noite para o dia, sem renumeração e sem documentos comprovando seu tempo servido.
Por conta disso, a discussão provocada não é apenas sobre a ditadura, mas também sobre sua repercussão e também sobre o estado atual do Brasil, o que é explícito em diversas cenas que os entrevistados contrapõem o que ocorreu na época com acontecimentos mais atuais. Em uma época onde existem pessoas que clamam pelo retorno do regime militar, é importante que seja lançado um filme onde os próprios veteranos, que no início da produção dizem que “não se orgulham da ditadura”, nos mostrem, em detalhes mórbidos, por que isso não deveria acontecer.
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