Hollywood possui uma relação, no mínimo, conturbada com o universo dos videogames, encontrando uma enorme dificuldade em decifrar a fórmula que garanta uma arrecadação constante e garantida em cima das adaptações feitas a partir de bem-sucedidos jogos eletrônicos. Para cada tentativa que deu certo (pelo menos, comercialmente) – como Street Fighter e Mortal Kombat nos anos 1990, o primeiro Lara Croft no início do milênio e a franquia Resident Evil, que entre altos e baixos, se manteve ativa por quinze anos –, há um rol de fracassos que variam entre super-produções que não faturaram o suficiente para justificar sequências (Príncipe da Pérsia: As Areias do Tempo; Assassin’s Creed; o curioso caso de Warcraft: O Primeiro Encontro entre Dois Mundos, cuja metade da arrecadação global veio somente da China), produções de médio porte esquecidas pelo tempo (Max Payne, Need for Speed, as duas adaptações de Hitman) e obras trash dirigidas pelo diretor alemão Uwe Boll (House of the Dead, Alone in the Dark, BloodRayne).
Por causa disso, sempre que é anunciada uma nova adaptação de algum videogame para o cinema, o clima é mais de apreensão do que necessariamente entusiasmo; e isso não foi diferente com “Sonic: O Filme”, baseado na franquia mais famosa da desenvolvedora de jogos japonesa Sega. A reação extremamente negativa ao primeiro trailer do longa, apresentando uma versão demasiadamente humanoide do protagonista dos games, fez com que os realizadores redesenhassem a personagem e refizessem parte dos efeitos visuais, o que levou ao adiamento do lançamento do filme em três meses. Entretanto, apesar do design de Sonic ter melhorado significativamente, ficando mais próximo de sua aparência nos jogos, não se pode dizer o mesmo do resto do longa, genérico até o último fio de cabelo.
Dirigido por Jeff Fowler, “Sonic: O Filme” acompanha a personagem-título (Ben Schwartz), um ouriço antropomorfizado dotado do poder da super-velocidade que vive escondido em uma caverna nos arredores de uma cidadezinha no estado de Montana, Estados Unidos. Apesar de ter tudo o que lhe dá prazer em seu singelo lar e de se divertir observando e pregando peças nos cidadãos da pacata cidade onde mora, Sonic sente-se sozinho, isolado de tudo e todos graças ao poder que, teoricamente, o torna um ser especial e cobiçado por criaturas mal-intencionadas. Todavia, após acidentalmente expor-se mais do que devia, o ouriço azul vê-se sendo perseguido pelo governo estadunidense e, mais especificamente, pelo cientista Dr. Robotnik (Jim Carrey). Assim, Sonic precisa da ajuda do policial Tom Wachowski (James Marsden) para conseguir escapar das garras de seus algozes e chegar a um novo lugar onde estará em segurança novamente.
O maior problema do longa de Fowler, escrito pela dupla Pat Casey e Josh Miller, é a sensação de déja vu que perpassa o filme do início ao fim. A todo momento, o espectador é lembrado que já viu uma variação dessa mesma história e desse mesmo tipo de longa outras vezes, em sua maioria, melhores ou, pelo menos, mais memoráveis do que “Sonic: O Filme”. A começar pelo próprio protagonista, a típica criatura espertinha, que sempre faz algum tipo de comentário sarcástico e que nunca cala a boca. O longa, a certa medida, até debocha desses traços da personagem principal, porém, no geral, Sonic é apenas uma figura em CGI que regurgita referências à cultura pop ou a acontecimentos recentes, sem nunca se firmar como um ser particularmente interessante.
Essa mesma questão se estende às outras personagens. Tom é o típico sujeito boa-praça que, apesar de inicialmente não ir com a cara do protagonista, aos poucos torna-se afeito a ele. É o straight guy que deve fazer dupla com a figura hiperativa e mais esquisita, algo que o próprio Marsden já fez outra vez, também com uma criação CGI, em “Hop – Rebelde sem Páscoa” há alguns anos atrás. Enquanto isso, o Dr. Robotnik de Jim Carrey é basicamente um greatest hits do ator, pinçando elementos aqui e acolá de outras personagens suas e colando-as em uma criação que nem de longe se equipara aos seus desempenhos mais memoráveis. O próprio filme parece querer criar uma identificação entre público e personagem menos pelas particularidades de Robotnik em si e mais pelos pontos em que lembra outras personagens de Carrey (a cena de dança no laboratório em particular é uma referência gritante à invasão do Charada à batcaverna em “Batman Eternamente”).
Essa sensação de familiaridade encontra-se presente também em setpieces, como quando Sonic está tão rápido que tudo e todos à sua volta parecem estáticos, permitindo-o manipular o ambiente a seu bel prazer. Até seria divertido caso a franquia “X-Men” não tivesse feito exatamente a mesma coisa à exaustão nos últimos anos com a personagem Mercúrio (Evan Peters), tornando essa estratégia em “Sonic: O Filme” gasta e obsoleta. Além disso, o longa é visualmente pouco atraente, o que não é ajudado pelo fato de grande parte da trama acontecer em cidades pequenas e autopistas, e até mesmo o clímax em São Francisco faz pouco (para não dizer nenhum) uso das particularidades que a cidade californiana tem a oferecer. Essa chatice visual torna-se ainda mais gritante quando comparada aos breves momentos passados em outros planetas, nos quais a direção de arte e os efeitos visuais podem ser minimamente inventivos ao tentar recriar localidades dos jogos.
Em suma, “Sonic: O Filme”, apesar dos escassos momentos engraçadinhos, no geral é uma ode ao genérico, fazendo referências a outros longas, enquanto ele próprio não estabelece a sua identidade.
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