O presidiário Rahim, preso por causa de uma dívida, recebe uma licença de dois dias para visitar a família, entretanto, esse tempo também será usado para convencer o seu credor a fazer um acordo de pagamento para livrá-lo da cadeia. O problema é que os caminhos para tal acordo não serão fáceis, o que fica claro já nos primeiros momentos de “Um Herói”, do aclamado Asghar Farhadi. No início da jornada, Rahim corre, mas não consegue pegar o ônibus. O tempo passa até que ele consegue um taxi para levá-lo até o trabalho de seu cunhado, que é operário na restauração de uma tumba. No local, ele precisa subir uma grande quantidade de escadas até chegar ao topo da estrutura. Lá ele fica apenas alguns instantes e logo tem que descer para acompanhar o cunhado. O esforço para chegar ao seu destino e as idas e vindas permearão todo o restante da história, que ainda é complementada com muitos conflitos.
Farhadi é conhecido por usar situações cotidianas para as construções de suas obras. Todos seus filmes tratam de pessoas comuns tendo que lidar com divórcios, dívidas, mudanças, problemas conjugais etc. Os dramas do cineasta iraniano podem ser tratados como thrillers, mas sem a fórmula hollywoodiana que se acostumou a associar ao gênero. Não há grandes tramas e assuntos mundiais urgentes, o que não quer dizer que o espectador não fique agoniado nas poltronas dos cinemas. É impressionante como algo deveras simples pode gerar tanta tensão, como nas cenas de “Um Herói” em que Rahim confronta seus algozes. Ele constantemente precisa se humilhar para pessoas que podem decidir seu futuro em diálogos que sempre deixam a impressão de que algo grave acontecerá a qualquer momento ou que um dos indivíduos terá explosões de violência.
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A intensão de Farhadi é usar o microcosmo para discutir o macrocosmo. Em outras palavras: pretende-se usar os bairros periféricos para trazer à tona uma sociedade iraniana doente em vários aspectos. Se fala muito em honra e ética durante o filme, no entanto, o que se vê são instituições e cidadãos que tendem à corrupção e aos maus costumes para resolver seus problemas. Mesmo Rahim, um sujeito claramente ingênuo, vai por caminhos escusos para conseguir alcançar seus objetivos, e que na maior parte das vezes os levam a lugares obscuros, como o cárcere. O dinheiro é outro incrustado na alma do povo iraniano, o que gera curiosamente um ambiente extremamente capitalista em um país fechado ao mundo ocidental odiado pelo governo daquele país. A situação é tão degradante que se alguém comete um crime, ele pode ser julgado e condenado ao enforcamento, que só pode ser impedido por meio de um pagamento. Uma mulher também pode ser absurdamente comprada por meio de um dote. A mistura entre costumes da idade média com os do capitalismo é evidente e assustadora.
Para o diretor de “Um Herói” só resta pegar sua câmera e mostrar todos esses problemas. E ele o faz usando o realismo, já que há mínimas intromissões estéticas na fotografia e na direção. É como se fosse um registro documental que tem como objetivo acompanhar as agruras do povo iraniano, mas com um clima de thriller tão intenso que faz o controle emocional dos espectadores ser testado do início ao fim. Mais um acerto de Asghar Farhadi, portanto!
Este filme faz parte da 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Até a postagem deste texto, não havia trailer disonível.
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