“Você tem que resistir. Resistir de qualquer maneira.”
Por trás das grades, a câmera se fixa em uma prisão. O plano estático, contudo, logo ganha movimento. Enquanto policiais torturam prisioneiros, consecutivas rotações completas desorientam o espectador. Mais que mero artifício cinematográfico, o estonteante fluxo simboliza a condição das personagens. Reféns de um governo ditatorial, três homens uruguaios experimentam todos os tipos de privações. Uma delas, a do tempo, já se explicita no título “Uma Noite de 12 Anos” (La Noche de 12 Años, 2018).
Em montagem de arquivo, sucedem-se, entre outras, imagens do Papa Paulo VI, da morte de Francisco Franco, do Oscar de “Um Estranho no Ninho” (One Flew Over the Cuckoo’s Nest, 1975) e do primeiro título mundial da Argentina. Anos se passam, assim, fora das escuras celas de José Alberto Mujica (Antonio de la Torre), Mauricio Rosencof (Chino Darín) e Eleuterio Fernández Huidobro (Alfonso Tort). Dentro, no entanto, o tempo se eterniza. Nessa lógica, os cortes rápidos e os sons amplificados simulam a perturbação psíquica dos protagonistas.
Interpretado por César Troncoso, um militar proíbe contato com os presos. “São rebeldes subversivos, traidores da pátria”, justifica. Suas palavras não encontram correspondência, entretanto, nas filmagens de corpos raquíticos. Contra as recomendações da Cruz Vermelha, a ditadura uruguaia nega a seus opositores o mínimo de humanidade. A personagem do versátil Troncoso sintetiza esse tratamento. Após representar o revolucionário Gregorio Esnal em “A Outra História do Mundo” (Otra historia del mundo, 2017), o ator montevideano incorpora agora o autoritarismo outrora combatido. O espanhol de la Torre (“Volver”), o argentino Darín (“O Silêncio do Céu”) e o uruguaio Tort (“As Ondas”), por sua vez, resumem em pequenos gestos a resistência – apesar de tudo – de suas figuras históricas.
“E ninguém se atreveu / A perturbar o som do silêncio” (“And no one dared / Disturb the sound of silence”). Em um dos momentos mais emocionantes do longa-metragem, a espanhola Sílvia Pérez Cruz canta a música de Simon & Garfunkel. Contrastada com imagens dos prisioneiros, a composição ganha novo sentido. O canto particularmente vagaroso e emocionado interpela o espectador para a ação. Mais atual que nunca, o filme brada: momentos como esses não podem se repetir. No Uruguai, Pepe Mujica elegeu-se presidente, Rosencof é Diretor de Cultura do Município de Montevidéu, e Huidobro – “El Ñato” – foi Ministro de Defesa antes de sua morte em 2016.
No Brasil, de outro modo, discursos semelhantes reaparecem mais de cinco décadas depois do golpe militar. “Uma Noite de 12 Anos” estreia, portanto, em momento oportuno. Em sintonia com o movimento #EleNão, lembrar os horrores das ditaduras latino-americanas consiste em dever histórico, e a rica experiência sensorial promovida pelo cineasta Álvaro Brechner (“Sr. Kaplan”) pode contribuir nesse sentido.
Duplamente premiado no Festival de Berlim de 2016 e exibido em Veneza este ano, a coprodução entre Uruguai, Espanha e Argentina chega, enfim, aos cinemas nacionais. Assim como o já mencionado “A Outra História do Mundo”, trata-se de um bom exemplar do cinema latino e um importante exercício de memória coletiva. Para além de uma mera biografia, afinal, Brechner constrói um angustiante retrato de uma época sombria. Ao mesmo tempo, contudo, não se entrega ao pessimismo. Seja plantando uma flor, lavando a louça para os futuros encarcerados ou imitando borboletas para a filha, Mujica, Rosencof e Ñato não abandonam a esperança – apesar de tudo, apesar de todos.
* O filme estreia dia 27, quinta-feira.
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