Engenheiro e pós-graduado em Formação de Escritores, Thiago Zanon lança o seu primeiro romance: “O rio entre nós”, um convite para todos que se interessam em uma boa leitura diferente, mas com um olhar sensível (às vezes cínico!) de um dos protagonistas mais divertidos dos últimos tempos.
Fomos bater um pequeno papo (sem spoilers) para descobrir quem é a mente por trás desse promissor título da Quixote+Do. Nossas impressões gerais você encontra na nossa resenha sobre o livro.
“São Paulo é como um mundo todo”
Nick de Angelo: Conta pra gente como foi amadurecer a ideia de escrever seu livro. Confesso que indo um pouco atrás de sua biografia, é sempre de uma grande surpresa como a literatura consegue cooptar pessoas que vieram, a princípio, de áreas que você não poderia nem imaginar, e no seu caso direcionar para uma veia mais artística. Então, gostaria de saber um pouco mais sobre de onde veio esse estalo e quais foram suas principais dificuldades até chegar a publicação desse romance — que não sou de falar, mas ficou excelente!
Thiago Zanon: Eu sempre gostei de escrever, quando era criança amava as aulas de redação, fazia atividades extra curriculares e sempre li muito. Acho até que essa era minha paixão verdadeira, mas quando fui crescendo e precisei decidir sobre carreira, fui mais prático, ou menos poético, na minha escolha. A atração pelos livros, no entanto, sempre existiu, só estava dormindo até o dia que comecei a fazer oficinas de escrita. Que foi, o estalo, um dia em uma oficina que eu fazia despretensiosamente, alguém falou do mestrado em formação de escritores do Instituto Vera Cruz, fui e passei dois anos incríveis me dedicando a aprender sobre escrita, buscar um estilo próprio, saber sobre o que eu quero escrever
N.A.: Acho que não dá para passar por “O rio entre nós” sem perceber o cuidado com a paisagem. Isso não é bem uma curiosidade, mas uma intimação para que você conte pra gente qual foi o segredo do que fez para tornar os cenários tão críveis, inclusive para aqueles que não falam um “A” em tcheco. Nunca estive em Praga nos anos 90, mas agora não tenho mais certeza.
T.Z.: Eu não sei se seria bom criar mundos de fantasia, eu consigo escrever sobre o que conheço, mesmo que nem tudo na mesma profundidade. Eu sou encantado por Praga, por isso escolhi a cidade para ser o lugar mágico, desconectado da vida do narrador, quase aleatório, onde o sentimento que ele carrega nasce e se materializa. Eu quis criar um cenário de conto de fadas. Sobre a forma de descrever, você tem que realmente amar aquele lugar, que daí as palavras vêm, o cuidado que tento ter é não descrever demais, deixar coisas para que as imagens se formem na mente do leitor, não cansá-lo com sua visão particular de uma ambiente o que importa é passar o sentimento do ambiente, o leitor faz o resto!
N.A.: Uma das coisas que mais me chamou atenção no livro foi como alguns dos trechos mais impactantes não são construídos pelas palavras, com o protagonista se envenenando com a própria língua, mas pelo silêncio. Você particularmente tem alguma percepção a respeito disso? É raro de encontrar retratações de angústias, sobretudo de minorias, que não acabem caindo num caldo massificante e determinista.
T.Z.: Acho que isso vem do exercício da reescrita. Você escreve e lê, pede para alguém ler, depois reescreve e reescreve. E nesse percurso vai notando que grande parte do que está lá, é desnecessário. Quando escrevo em primeira pessoa, o narrador não pode saber o que eu, como autor sei, não pode sentir tudo e não pode nem mesmo compreender o que se passa com ele. Alexandre não vê sua confusão, não vê seus traços narcisistas, pelo menos não o jovem Alexandre, então cabe ao leitor, perceber. Alguns percebem, outros não, mas meu trabalho é dar as possibilidades para que os personagens se façam conhecer e criem sensações, às vezes boas, outras nem tão boas. Não importa. Eu tive gente me dizendo que odeia o narrador, outras que admiram coisas nele. Alguns gostam do Sebastian mais que dele, o acham mais complexo. Outros têm raiva de sua indecisão. A verdade é que tudo que se sabe do Sebastian vem dos olhos do Alexandre, e isso deixa muito espaço para a imaginação.
N.A.: Falando em profundidade, em retrospecto, como é a experiência de escrever de peito aberto um protagonista como Alexandre? Ele está longe de ser um mocinho, porém, ele ganha no carisma e boas intenções (na maior parte do tempo!) — mas temos o jovem Alex de um lado e o maduro Alex do outro, pouco piedoso em suas autocríticas.
T.Z.: Sim, ele está longe de ser um mocinho ou um herói. Ele não agrada a todos, ele pode ser desprezível, passivo agressivo, egoísta, manipulador. Mas ele não foi escrito para agradar, ele é uma personagem arriscado, sua construção busca refletir sobre até onde vai o sentimento que ele diz ter, ele chama de amor. O leitor pode discordar, o leitor pode achar que ninguém fica encantado assim tanto tempo, mas o Alexandre discorda, e assume todas as consequências das suas ações. Talvez o final seja onde ele pode ver tudo com mais clareza, e por as coisas no lugar, antes disso, não. Ao mesmo tempo que é um personagem arriscado, escrever o Alexandre para mim foi um prazer, porque ele é prisioneiro do sentimento que criou, mas livre em absolutamente tudo o mais, nada o detém, coragem que não é comum (nem mesmo desejável!). Um exercício interessante foi escrever também na voz do Sebastian, ele contando as coisas de seu ponto de vista, isso me ajudou a construir não só a visão do Alexandre, mas todo o enredo.
Jogo rápido!
N.A.: Qual sua inspiração brasileira (até mais de uma!) na escrita?
T.Z.: Machado de Assis, Jorge Amado, Fernando Sabino – contadores de história onde a filosofia deve ser percebida e não explicada.
N.A.: E do mundo?
T.Z.: Oscar Wilde, Umberto Eco, Agatha Christie.
N.A.: Qual foi seu último livro lido?
T.Z.: A Segunda Morte, de Roberto Taddei.
N.A.: Um mau hábito de escritor?
T.Z.: Se apegar a personagens ou cenas. Para o livro melhorar, você, às vezes, tem que matar o queridinho. Aprendi isso com Stephen King.
N.A.: E qual aquela leitura “guilty pleasure“, ou que seus leitores não fazem ideia que você lê?
T.Z.: Sydney Sheldon!
N.A.: Para terminar, gostaria de deixar alguma mensagem para nossos leitores? Divulgação, projetos futuros, alfinetar algum laureado-prêmio-jabuti (risos)… o que quiser; o espaço é todo seu!
T.Z.: A mensagem é que leiam, leiam muito!
O livro
Você acredita que é possível amar mais de uma vez? Alexandre, hoje mais velho, e de seu grande amor ainda à época da residência médica. Em natural vaivém as falas do que é passado e o que é presente se misturam, ao que o protagonista faz um balanço de seus erros e acertos.
Alexandre é sangue quente, decidido, emotivo e extremamente controverso — muito longe de ser um mocinho. É no auge do preconceito HIV que ele não vê senão escolha senão procurar o seu lugar ao sol nesse mundo sem se esconder, mas isso igualmente terá os seus custos.
Título: O rio entre nós
Autor: Thiago Zanon
Páginas: 270
Dimensões: 21 x 15 x 1.5cm
Editora: Quixote+Do
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