Com novo espetáculo em cartaz, Miguel Rocha, diretor da Companhia de Teatro de Heliópolis, aceitou conversar com a gente sobre o novo trabalho do grupo, intitulado “Quando o discurso autoriza a barbárie”. Após uma temporada com ingressos esgotados em todas as sessões no SESC Belenzinho, a montagem se encaminha para a sede da companhia, onde deve seguir em cartaz na segunda quinzena de outubro.
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Arthur Macedo: O teatro periférico muitas vezes busca abordar questões importantes. Você pode nos contar sobre o tema ou a mensagem que “Quando o discurso autoriza a barbárie” pretende transmitir ao público?
Miguel Rocha: A Companhia de Teatro Heliópolis, eu costumo dizer “as periferias”, porque tem muitos grupos de teatro no Brasil, no nosso caso na cidade de São Paulo, cada periferia tem suas questões, pela questão do território, pela arquitetura, por como as pessoas se organizam, da onde essas pessoas vem, quais são as suas trajetórias de vida que vão se cruzar ali naquele espaço. Eu costumo dizer que são muito diferentes [as periferias], ao mesmo tempo que a gente tem aproximações, temos diferenças. Então, no caso desse espetáculo, é um espetáculo que a gente deixou mal resolvido em outro espetáculo nosso intitulado “Sutil violência”, o qual a gente trabalhava as questões das violências subliminares, essas violências naturalizadas, as violências cotidianas. E aí a gente vem de uma inquietação de entender que essas violências que estão em “Sutil violento” como é que elas surgem, como é que elas se dão, e aí a gente vai adentrar dentro desse universo pra investigar e vamos perceber algo que às vezes, intuitivamente, a gente já consegue se deslocar e entender, mas a pesquisa vai acentuar aquilo que a gente já tem uma pequena percepção, de que essas violências sempre estiveram aí e sempre foram autorizadas pelo Estado brasileiro. E aí a gente vai construir uma trajetória nesse trabalho que parte da chegada dos portugueses, passa pela ditadura e chega nos momentos atuais.
A.M.: Como diretor e fundador de um grupo de teatro que opera na periferia, o que significa dirigir uma peça de teatro pra você?
M. R.: Eu acho que o teatro é um lugar de possibilidade de estar no mundo e de se comunicar. Então, pra mim, toda vez que eu vou dirigir um trabalho, construir uma poética coletiva, é um lugar e uma possibilidade de falar de questões que pra gente são caras e urgentes. Teatro é esse lugar que é possível estabelecer uma comunicação, um diálogo, uma escuta com o público.
A.M.: “Quando o discurso autoriza a barbárie” promete ser inovadora e impactante. Que elementos ou abordagens criativas os espectadores podem esperar ver nesta peça que a diferencia das anteriores e de outras produções teatrais?
M.R.: O trabalho é constituído a partir desses lugares, de entender que o coletivo vai ali constituindo e construindo essa poética dentro dessa hibridez dos elementos do teatro e a gente procurou, como eu estava falando anteriormente, vir de um trabalho antigo em alguma medida sustentada pelo texto, e a gente se dispõe, tenta radicalizar voltando a outro trabalho anterior chamado “Sutil Violento”, dar uma radicalizada no não-texto. Então, praticamente é uma dramaturgia constituída pelo movimento e sim, tem um off, tem uma coisa ou outra que surge enquanto um lapso, um rastro de uma palavra, mas não é constituído pela palavra só, mas sim pelas imagens, pelas projeções, é um trabalho que foi concebido a partir da perspectiva de construir uma dramaturgia que está nos corpos dos atores, na cena, na luz, na movimentação, na música, então pra nós é um desafio.
A.M.: Antes que eu esqueça, parabéns pra Companhia pelos dois prêmios Shell conquistados no ano passado, em dramaturgia e música! Queria saber: como essas premiações influenciaram a companhia?
M.R.: O prêmio vem desse lugar de um reconhecimento não de um espetáculo, mas sim de uma trajetória de maturação de uma pesquisa, de uma dedicação, de um empenho, fazendo teatro. A Companhia surge de um grupo de jovens que querem fazer teatro e vai trabalhar um tema que tinha muito a ver com o nosso universo, que era a violência. Mas ela surge intuitivamente, não era um grupo que veio da faculdade ou que se reuniu em uma escola de teatro. A gente se reuniu pelo desejo de falar sobre aquele tema que a nós era muito caro. Então eu costumo dizer que inicialmente não tinha grandes pretensões, eu só queria fazer uma peça de teatro que falava sobre o meu universo, sobre a minha realidade. O prêmio vem desse lugar, de que é um reconhecimento de uma trajetória, de uma dedicação, de uma resistência, em uma teimosia de querer fazer teatro mediante a todas as dificuldades que é produzir e fazer teatro no Brasil. Quando se trata da periferia, essas dificuldades se multiplicam porque vão fazendo também com que muita gente desista pelo caminho.
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