Quando eu estava procurando material para resenhar nesta coluna, me caiu uma ficha: até agora não escrevi sobre nenhuma HQ feita por GAROTAS!!!! Sim, eu sei, é imperdoável. Com tantos quadrinhos bons escritos e desenhados por meninas que existem tanto no mercado comercial quanto no meio independente. Então vou começar a me redimir com esta bela obra de Fefê Torquato.
“Estranhos” parte de uma premissa muito interessante: imaginar as histórias e rotinas de pessoas que vemos através das janelas de seus apartamentos. Acho que essa curiosidade é uma coisa tão intrínseca do ser humano que, mesmo quem nunca morou em um prédio, já teve seus momentos de fantasiar sobre a vida de quem mora ao lado. De qualquer forma, essa temática em si não é totalmente inovadora, mas o que torna essa HQ bastante peculiar é o fato de que nunca somos apresentados ao narrador/voyeur. Ele está ali o tempo todo, todas as histórias discorrem diante de seus olhos, mas em nenhum momento o leitor irá ver seu rosto ou saber seu nome. Esse recurso se torna uma metalinguagem interessante, pois acaba intensificando a sinergia com o leitor.
A partir dessa premissa a autora cai descortinando o cotidiano de alguns dos moradores de cada apartamento do prédio à frente. Os tipos de pessoas e personalidades são diversos, desde mulheres e homens solitários até famílias perfeitinhas. Mas independente da relação das pessoas entre si, todos tem seus segredos, manias e hábitos. Uma vez que o narrador vai “viajando” nas especulações que faz sobre as vidas de cada uma das pessoas, acaba se criando uma profundidade complexa dos personagens. O interessante é que, no final, tudo não passa de especulação. Essa análise ainda vai ao ponto de como as pessoas são estranhas entre si, mesmo vivendo no mesmo prédio. Talvez seja algo distante para moradores de cidades pequenas e amigáveis, mas para os paulistanos é a mais pura realidade. O resultado é que, mesmo com histórias curtas, a narrativa em “Estranhos” é muito envolvente!
A arte de Fefê chama a atenção pela simplicidade aliada à riqueza de detalhes. O traço é limpo, mas bastante expressivo. Tanto as cenas internas quanto externas são muito trabalhadas, sobretudo usando contrastes de P&B para criar profundidade. Muitos quadros e até páginas inteiras exploram o uso do cinza, esse recurso tem um objetivo duplo: dar um clima noturno, já que muitas das pessoas observadas só estão em casa à noite; e retratar a atmosfera urbana, a qual muitas vezes é fria e obscura. Em todas essas experiências visuais o resultado se encaixa perfeitamente à premissa do álbum, compondo uma obra que possui harmonia do início ao fim.
Este projeto de Fefê Torquato conseguiu financiamento pelo Catarse em 2016 e gerou um belo álbum de 122 páginas, o qual certamente será apreciado pelos amantes de quadrinhos independentes. Vale a pena procurar em lojas especializadas em HQs ou mesmo no site do financiamento.
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