O ano de 2017 promete grandes filmes e séries para os aficionados na cultura geek/nerd como: “Star Wars: Os Últimos Jedi”, “Liga da Justiça”, “Inumanos”, “Deuses Americanos” e muito, muito mais. Já tivemos, este mês, um presente com a estreia de “Logan” – sem dúvidas o melhor filme do Wolverine em 17 anos. Mas será que teremos apenas produções dignas de elogios daqui para frente? É pouco provável.
Dia 17 de março estreia a série “Punho de Ferro” no Netflix e, aos poucos, as primeiras críticas especializadas (que receberam acesso antecipado) começam a se manifestar a respeito das primeiras impressões causadas pelos 13 episódios da temporada. Entre as várias críticas negativas, surgiu uma discussão sobre a etnia do protagonista da série: Daniel “Danny” Rand que será interpretado por Finn Jones, o Sor Loras Tyrell na série de “Game of Thrones”.
A polêmica em volta da escolha de Finn Jones para o papel ganhou destaque esta semana no twitter, quando ele compartilhou um discurso sobre diversidade e representatividade feito por Riz Ahmed durante uma sessão da Câmara dos Comuns do parlamento Inglês com os dizeres: “Representatividade é importante, e aqui está o motivo”.
Rizwan “Riz” Ahmed é um rapper e ator inglês que já participou de diversos filmes, inclusive “Star Wars: Rogue One”, interpretando o piloto imperial desertor Bodhi Rook.
Finn tentou demonstrar a importância da representatividade através do discurso contundente de Riz, mas o que ele não esperava era que alguns de seus seguidores problematizassem seu papel na série “Punho de Ferro”, problematizações essas que – é preciso mencionar – foram feitas de forma educada, gerando um debate quase saudável em seu twitter.
O personagem de Finn Jones na série é um americano que acaba treinando artes marciais em uma cidade mística chamada K’un-Lun que surge a cada dez anos na região do Tibet.
Um dos seguidores de Finn apontou a ironia dele se preocupar com questões de diversidade e representatividade, pois o super herói Punho de Ferro, de acordo com o seu ponto de vista, seria responsável por apagar ainda mais a importância de asiáticos, já que faria de um americano o protagonista de uma história que possui todo um plano de fundo carregado de misticismo baseado na cultura chinesa, enquanto os asiáticos tanto na série quanto nos quadrinhos, que deram origem à série, serviram e servirão apenas como personagens secundários e interesses amorosos. Um fenômeno já bem conhecido: o whitewashing.
Basicamente, whitewashing é o ato de fazer limpeza étnica em um personagem fictício ou histórico, transformando-o em uma pessoa branca. Essa limpeza também ocorre quando se diminui a relevância de uma etnia em determinado contexto histórico ou fictício para exaltar um(a) personagem caucasiano(a).
No momento em que um personagem branco é colocado como mestre de artes marciais (em grande parte orientais) e acaba sendo digno de receber poderes enquanto os asiáticos não alcançam essa honra, acompanhamos um processo de exaltação do branco enquanto a relevância da outra etnia acaba sendo diminuída. O problema é que uma situação dessa não permanece apenas nos quadrinhos ou em uma série, contida de forma hermética e sem causar consequências. Quando a história ganha publicidade ela começa a agir e impregnar o imaginário popular, contribuindo para a formação de estereótipos racistas. Quem aí não conhece o estereótipo da asiática colegial ou do chinês do pastel? No momento em que o whitewashing começa a agir esses estereótipos são reforçados.
Na série “Punho de Ferro” o estereótipo reforçado seria aquele de que o branco tende a ser melhor em tudo, inclusive no controle de artes místicas estudadas por imortais chineses desde… sempre.
O whitewashing de fato existe na série, mas a culpa está longe de ser do ator Finn Jones. A intenção da problematização no twitter foi aparentemente mostrar o quão necessário é o debate e a preocupação com a diversidade e representatividade, tão necessário que às vezes se pode levantar esta bandeira e, mesmo assim, se ver contribuindo para o problema. No final das contas, o Ator decidiu encerrar sua conta na rede social para se dedicar integralmente às filmagens de “Defensores”, outra série da Netflix que terá como protagonistas os heróis urbanos: “Jéssica Jones”, “Luke Cage”, “Demolidor” e “Punho de Aço”.
Não é que exista um movimento para boicotar a série por causa da escolha do ator, foi mais uma questão de: “Como seria interessante ter um ator asiático em um papel que exaltasse sua própria cultura e ajudasse a destruir estereótipos altamente prejudiciais”.
Mas o mês de Março não para por aí e, além de “Punho de Ferro”, também teremos a estreia da produção em live-action da aclamada animação japonesa “Ghost in the Shell”.
Dessa vez, a polêmica de whitewashing atinge um nível ainda maior já que a atriz Scarlett Johansson viverá a protagonista, Major Motoko Kusanagi.
“Ghost in the Shell” é uma animação de grande peso, muitas vezes considerada um clássico que retrata diversos temas importantes, como o significado da vida, capitalismo e avanço tecnológico sem limites. A produção foi uma das diversas inspirações dos irmãos Wachowski para a criação de “Matrix”.
A animação é ambientada num Japão futurista, apenas com personagens japoneses refletindo preocupações fictícias surgidas em um contexto japonês. No entanto, a versão live-action terá como protagonistas dois personagens ocidentais que, pelo trailer, já demonstraram que vão lutar e derrotar muitos capangas japoneses, algo que já foi feito diversas vezes em filmes hollywoodianos.
Para um americano, ou mesmo para um brasileiro pode não ser tão simples ver o problema disso. Mas a coisa toda pode ter um significado diferente para um japonês que se vê repetidamente representado em filmes por personagens auxiliares, estereótipos ou por capangas genéricos.
Se não fosse suficiente, os produtores do filme “Vigilante do Amanhã: Ghost in the Shell” ainda tiveram a ideia absurda de testar formas de deixar Scarlett mais parecida com uma oriental através de computação gráfica.
Johansson é uma ótima atriz e, novamente, assim como em “Punho de Ferro”, o problema não deve recair completamente sobre ela.
Existem muitos motivos para a escolha de Scarlett, entre eles a relevância da atriz e o potencial que seu nome tem de incrementar a bilheteria do filme. Nenhum dos motivos (incluindo o comercial) é capaz de justificar whitewashing. E aqui, vemos o fenômeno sendo ainda mais prejudicial, pois o filme perde a oportunidade de representar uma mulher forte e independente de origem japonesa, elas que são altamente fetichizadas pelo imaginário ocidental e que raramente encontram espaço no cinema, continuarão assim por algum tempo.
“Vigilante do Amanhã” tem estreia prevista para 29 de março.
Em março também tivemos a estreia de mais um filme onde o branco tem um espaço de destaque num contexto completamente asiático: “A Grande Muralha” com Matt Damon.
É quase como se tivessem planejado um mês inteiro de whitewashing, mas não. Não só em Hollywood, mas em toda a indústria cinematográfica a coisa funciona dessa forma. A limpeza étnica em personagens ocorre em todos os lugares, desde a representação caucasiana de Jesus, passando pelo embranquecimento dos egípcios com os primeiros filmes sobre Cleópatra, até as nossas queridas adaptações de quadrinhos, games e filmes em live-action.
O whitewashing é prejudicial para toda a sociedade e é justamente por ser algo tão recorrente que merece ser alvo de debate e conscientização. Poder levantar críticas e incentivar a representatividade através do entretenimento são ótimas formas de transformar o mundo que, infelizmente, ainda não são completamente aproveitadas.
Por Raoni Vidal
Quer estar por dentro do que acontece no mundo do entretenimento? Então, faça parte do nosso CANAL OFICIAL DO WHATSAPP e receba novidades todos os dias.
O cara que escreveu isso nunca leu uma hq do Punho de ferro, ele nunca foi oriental na hq.
Bom dia, tudo bem?
O texto não diz que o personagem Danny Rand é oriental nos quadrinhos, mas que o papel de Finn Jones na série “Punho de Ferro” está no espectro do que é conhecido como whitewashing. Não por substituir a etnia do protagonista (que realmente é caucasiano no quadrinho), mas por ter um papel de destaque em uma história de misticismo notavelmente oriental. Fazendo assim que um personagem branco seja exaltado enquanto personagens asiáticos sejam inferiorizados na importância de seus papéis. Uma oportunidade que poderia ser aproveitada pela netflix,já que esta buscou em suas outras séries da marvel mostrar heróis e uma heroína que representam bem minorias (Jessica Jones = mulher, Luke Cage = negro e Demolidor = deficiente), poderia ter sido a hora de vermos um herói asiático protagonizando sua própria história.
Obrigado pelo comentário e seja sempre bem-vindo. ^^