As primeiras histórias que as crianças pequenas costumam ouvir geralmente são as fábulas (em latim: fabula , “história”, “jogo ou narrativa”). Esse estilo literário apresenta histórias curtas, que podem ser escritas em prosa ou versos. Normalmente os personagens destas histórias são animais que apresentam características antropomórficas, ou seja, mescladas com características humanas. Por ser um estilo literário dedicado ao público infantil, as fábulas possuem caráter educativo. Sempre muito ricas em metáforas, elas fazem uma analogia entre o cotidiano humano e as histórias vivenciadas pelas personagens. Outro aspecto comum é presença de algum ensinamento moral apresentado no fim da narrativa. Embora seja muito utilizada para a didática infantil, raramente vemos seu uso em outros estilos narrativos. Justamente por este motivo é que a HQ Pétalas surpreende.
A história em si é razoavelmente simples, mas nem por isso superficial. Uma família de raposas – um pai e seu filhote – vive em uma pequena cabana em meio à floresta. Suas rotinas não são nada fáceis, pois o pai já tem idade avançada e se encontra doente, enquanto o filho pequeno se esforça para realizar todas as atividades domésticas. Para agravar um pouco mais a situação, eles estão enfrentando sozinhos um rigoroso inverno. Porém, em uma busca por galhos e troncos que alimentem a fogueira da cabana, o filhote se encontra com um pássaro que usa cartola e smoking.
Apesar do visual inusitado, a estranha ave se mostra divertida e prestativa, ajudando a pequena raposinha com os galhos enquanto faz alguns truques de mágica. De volta à cabana, o filhote convida o pássaro para entrar e se aquecer um pouco, além de também conhecer o pai adoentado. Novamente o portador da cartola mágica realiza truques e números musicais para entreter a pequena família. Um clima agradável se instala nos dias seguintes, porém nem tudo irá correr às mil maravilhas, reservando um desfecho inesperado para a história.
A mera descrição da história não revela algumas características tão criativas quanto inovadoras de Pétalas. A primeira já foi comentada, que é o fato de utilizar a fábula como estilo literário para contar algo simples, mas com um subtexto de grande profundidade. Com isso os temas abordados (amizade, compaixão, generosidade) ganham muito mais relevância e delicadeza por estarem associados a bichinhos fofos.
Outro ponto interessante da HQ é a ausência total de diálogos e recordatórios, portanto uma narrativa completamente visual, contando apenas com eventuais onomatopeias. Seguindo o conceito elaborado por Mies van der Rohe de que “Menos é mais”, o silêncio verbal enfatiza ainda mais aquelas emoções humanas citadas no parágrafo anterior e intensifica a carga dramática do desfecho. Nem tanto pelas possibilidades de interpretação, mas sobretudo pela empatia criada entre personagens e leitor, a narrativa não verbal consegue entregar ternura e afetividade expressadas e forma diferente por cada um dos participantes da história.
Se o roteiro de Gustavo Borges se destaca pela riqueza estilística, sua arte enche os olhos pela delicadeza que se alinha aos sentimentos abordados. Os traços não são exatamente limpos, mas são sutis, naturais e espontâneos, assim como os personagens retratados. Os enquadramentos e planos escolhidos demonstram um domínio da técnica, pois fazem o difícil trabalho de compensar a ausência de narrativa verbal. Finalizando a obra, a colorização de Cris Peter consegue dar o toque sublime para criar o clima necessário a cada sequência. As cores frias dos momentos mais tristes se contrastam com a belíssima paleta de cores quentes que, mais uma vez, retratam e ressaltam os sentimentos e emoções.
Pétalas é uma HQ que surpreende do início a fim por conta de seu conceito bem elaborado e executado. Publicada pelo selo Jupati Books e Tambor Quadrinhos, tinha como meta R$ 5 mil no site de financiamento coletivo, número que alcançou em apenas 24 horas. O registro atual é impressionante: mais de 1.400 apoiadores, numa soma que passa dos R$ 50 mil. Após a história em si, o álbum ainda traz algumas páginas de making of comentadas pelos próprios autores.
Autores: Gustavo Borges (roteiro e arte) e Cris Peter (cores)
Páginas: 56
Acabamento: Brochura
Lançado em 22 de agosto de 2015
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