As vezes é preciso reconhecer quando uma grande artista erra feio, mas “Princess of Power” não veio de repente
Lançado neste dia seis de junho, “Princess of Power” é o sexto álbum de estúdio de Marina (ex And The Diamonds), seu primeiro lançado de forma independente. Após um período de amadurecimento e de escuta, voltamos com nosso veredito, nem tão controverso, sobre este novo trabalho. Confira nossa crítica a seguir enquanto buscamos entender onde foi que o P.O.P — e a própria cantora — deu errado.
Vivendo em um estado de sonho
O ano é 2012 e o mundinho garotas & gays Tumblr ltda. nunca mais foi o mesmo após o lançamento do controverso “Electra Heart” da cantora galesa Marina, à época assinando como Marina and the Diamonds. Com letras afiadas sobre feminismo, depressão, identidade, e um grande cinismo com o mundo e a indústria, seu trabalho não passou despercebido e anos depois segue como um marco cultural de toda uma subcultura.

Em retrospecto, esse choque do estrelato foi o primeiro passo para sua grande virada de chave. Ao que ela continuaria o sucesso com “Froot” (2015) — até então seu álbum mais bem avaliado — onde, para a crítica, foi onde ela mais “teria se encontrado” em um balanço entre seus clichês, bons vocais, e lirismo amargurado, foi quando a cantora decidiu se rebelar e entrou em uma espiral de sua autoimagem.
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A partir dali, ela decidiu abandonar seu nome de palco, adotando apenas “Marina” às vésperas de seu álbum seguinte — e, sim, a maldição do quarto álbum bateu — e de lá para cá comentou como estava infeliz com sua imagem artística, com o ritmo de turnês, de que não sentia mais verdade nas letras — seu segundo trabalho, o mais comercial, é uma sátira encarnando diversos arquétipos da cultura pop estadunidenses — foi estudar psicologia, e abraçou de vez a estética new age.
Feito esse preâmbulo, é preciso dizer que esse quem vos escreve possui uma longa relação com a artista — desde 2013 — ouvindo suas canções à exaustão, e sempre descobrindo algo novo sobre as letras que pode ter passado despercebido até a quinquagésima escutada. Com a consideração e paciência que se possa ter por entender o lado de um músico, faz parte do amadurecimento reconhecer quando deixar as coisas seguirem seu curso.
Everybody Knows I’m Sad (por ter que ouvir a que ponto chegamos)
“Princess of Power” é o sexto álbum de estúdio em uma longa cronologia, mas não chega de repente como uma surpresa aos fãs, ou ao menos não deveria; é a evolução — no sentido de progressão temporal — lógica da própria construção de um raciocínio que Diamandis vem construindo desde 2017; e isso não é necessariamente algo bom.
Após um caótico “Love & Fear” (2019), chegando a brigar com os fãs, Marina embarca em “Ancient Dreams in a Modern Land” (2021), com uma pegada ainda mais politicamente engajada — era a pandemia, e as letras refletem isto — parecia o retorno ao seu pop irreverente, com bons registros que davam um banho no trabalho anterior — como as faixas “Venus Fly Trap”, “New America” — mas ainda assim com um desagradável tilintar de consciência política de um Labubu fragrância pistache © descambando pro ecofascismo — vide a faixa título, “Purge The Poison”, e “Pink Convertible” — porém, que podiam passar despercebidos pela boa produção e vocais.
“Need to purge the poison, show us our humanity
All the bad and good, racism and misogyny
Nothing’s hidden anymore, capitalism made us poor
God forgive America for every single war”
“Purge the Poison”, faixa 4 do ADIAML.
Se há algo que não podemos negar, todavia, é a consistência de Marina para o disco. Enquanto as primeiras linhas de um poema épico costumam sumarizar o conteúdo de alguma forma, quem ouviu os singles do “Princess of Power” pode se dar por satisfeito como se tivesse consumido a integridade.
Sobre o lançamento do lead, “Butterfly”, a Flood Magazine descreveu-o como um “hino de pista de dança de fim de festa”, e não poderia ser mais certeiro. Enquanto mira no disco dos anos 70, citando Abba como uma das inspirações, o que resta é um glamour decadente de pós-pandemia, uma investida mal arranjada de techno na melancolia do citypop japonês, mas sem chegar perto de ter a mesma ousadia técnica de outros trabalhos.
Abrem-se os trabalhos com a faixa título, e a partir dali não dá nem para se dizer que é ladeira abaixo, porque para descer é preciso subir; rimas do naipe “paixão e macarrão” doem os ouvidos de qualquer pessoa que tenha inglês intermediário que seja (sour–tower–flower–power), e até o seu sotaque britânico semi-galês, cheio dos autênticos marinaísmos, parece deslocado no meio de tanta mediocridade.
Yeah, I’m a butterfly, you’ve just never see me spread my wings
I’m already high, watch my life go bling, bling
Now I’ve become a butterfly, I just fly
“Butterfly”, faixa 2 do P.O.P.
Embora depois de um play seja difícil saber quando algo começa e termina sem olhar a marcação de faixas, algumas tracks até que ficam na cabeça, seja pela insistência (“Everybody Knows I’m Sad”, que, aliás, é provavelmente a menos pior do álbum), ou só pelo medonho mau gosto (“Butterfly”).
Ainda que deixando as batidas genéricas de lado, as letras tão elaboradas quanto de uma songfic de “Camp Rock” escrita por um adolescente de 13 bem poderiam passar despercebidas se Marina em si não fosse conhecida por entregar imagética e provocação através de um storytelling interessante, como já fez em outros momentos da carreira: “Shampain”, “Obsessions”, “Valley of The Dolls”, “Teen Idle”, “Froot”, “Immortal”, “To Be Human”, “Scab and Plaster”.
E a conta não fecha por este ser seu primeiro disco produzido de forma independente, ao lado de CJ Baran (com memoráveis colaborações com Melanie Martinez, Mars Argo, Carly Rae Jepsen): P.O.P é a maior autoironia para uma artista que, criticando o aspecto comercial e a pouca liberdade artística de Electra Heart, resolve lançar um álbum que é tudo aquilo que tripudiava. E está tudo bem! As pessoas mudam, a semente da contradição de um cômodo e conveniente ativismo feminista liberal sempre esteve ali (vide “Girls”, do álbum ‘The Family Jewels [2010])
Não há provocação, não há nuances. Quando muito, as metáforas desgastadas dizem exatamente o que pretende se dizer; não há lugar para sarcasmo, pós-ironia, ou até uma autocontradição que provoque o ouvinte. É tudo muito óbvio, coroando anos de uma espiral em descenso por uma rebeldia comoditizada, parece provocante (para alguém que nunca ouviu a palavra feminismo na vida).
Se sobretudo nos últimos dois trabalhos se pecou justamente por esse excesso, buscando se tratar de vários temas sem sutileza ou espaço para desenvolvê-los — alô Ancient Dreams — Marina achou de bom tom fazer um trabalho supostamente camp, mas que só é muito ruim. Justamente no ano que “143” de Katy Perry vira manchete pelo mesmo motivo, parece que temos duas profetizas nos contando que o mundo já era, e que o último a sair que apague a luz, com o detalhe de que pessoas se envolveram na produção desses álbuns e acharam de bom tom lançá-los. É decadente artística e politicamente.
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Hunt you from afar like a jaguar
Till you say: Hello, kitty, make me go rah-rah
“Hello Kitty”, faixa 10 do P.O.P.
Um minuto para apreciação de “Hello Kitty”, uma balada bobinha — o que bem se poderia dizer do restante do disco — e que depois de dar voltas temáticas atrás do próprio rabo nos faz questionar o que diabos está acontecendo. “Adult Girl”, penúltima (finalmente) e com referências diretas à “Teen Idle”, escancarando a regressão de suas habilidades como compositora. A cereja do bolo de filme adulto escatológico fica com “Final Boss”, um rip-off descartado de “Gameboy” do cantor Jão — sim, nesse naipe.
Em retrospecto, o álbum tem um lirismo vergonhoso, um som datado e que não convence — mesmo se observado com um distanciamento de sua carreira — e o mergulho dos mais profundos em uma militância inofensiva com toques de delírio new age, desses em que o artista se crê muito mais maduro e profundo do que realmente é. Os vocais de deusa inalcançável continuam lá, vira e mexe com Marina fazendo questão de estargar-se, contudo se perdendo meio a estética e conteúdo duvidosíssimos; é melhor só ouvir ruído branco.
Imagem Destacada: Divulgação/Marina (via site oficial)

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