No século XV, o filósofo Marsilio Ficino usou pela primeira vez o termo amor “Platonicus”. Sinônimo do até então “amor socrático”, que consistia na idealização – não correspondida – do conceito de beleza e inteligência de um ser. Mais tarde, o próprio Platão criou sua teoria na qual, tem-se – no mundo das ideias – uma forma perfeita da cópia imperfeita (no mundo real) que nós somos hoje. Ou seja, o amor platônico, vai além – e aquém (por que não?!) – das expectativas que nós criamos em cima de outro ser – na nossa cabeça (!) –. Tudo se passa “in”.
Chegamos, pois, ao século XXI. Na era das redes sociais e das efemérides. Discutimos o platonismo, talvez, de maneira invertida. Afinal, “eu sou o que eu posto, e o que você pensa sobre mim, é problema seu.” Contudo, mesmo que de maneira torta e torpe, essa idealização em cima de outro ser ainda existe. E é com essa temática que o autor John Fowles escreve “O Colecionador”.
Originalmente publicado no ano de 1963, Fowles teve sua obra reeditada em uma linda edição pela editora Darkside. Editora, esta, que vem se destacando em suas publicações nada usuais e repletas de ricos detalhes. E como o próprio nome já diz, sempre olhando o lado escuro da força.
“O Colecionador”, portanto, é um romance psico-filosófico per-tur-ba-dor. E podemos adjetivá-lo assim, porque nenhuma outra palavra talvez expresse o que estamos realmente querendo dizer. Ao chegar no final do livro, precisamos refletir os “entres” dessa história cuja mente doentia de um ser é o palco para as mais estranhas reações. Para o bem e para o mal… mais para o mal… bem mais (…).
Nossos personagens principais são Frederick Clegg e Miranda Grey. E de “personagens principais”, leia-se também “únicos”. “Únicos” no sentido de não haver mais ninguém nessa história. Ok! Ok… talvez estejamos exagerando nessa questão de unidade. O fato é que os outros personagens não existem… é confuso, mas o que seria secundário, na verdade só “vive” na cabeça de ambos. Então, não sabemos se eles são reais ou invencionices de uma mente desiquilibrada.
Clegg é um senhor de meia idade, que trabalha em uma repartição pública, não tem amigos, e vive com sua tia e prima. Já Miranda é uma linda jovem universitária que cursa Belas Artes na Universidade que fica em frente ao local de trabalho de Frederick. Pela janela ele a vê. Linda, sorridente, simpática… e distante. Distante dele e de sua realidade. Miranda era um ser imaculado. Digna dos seus sonhos (literalmente). A mulher que seria sua, para casar… mãe de seus filhos… Só que… quem era Frederick Clegg na fila do pão?
É ele quem começa essa história. Narrada em primeira pessoa, Clegg nos conta – com riqueza de detalhes – como conseguiu fazer com que Miranda fosse realmente sua. (Adiantamos que isso não foi por livre e espontânea vontade da parte dela.) Ao apostar em um bolão de jogos de futebol, nosso personagem ganhou muito dinheiro. O suficiente para largar a repartição, mandar a tia e a prima para uma viagem sem volta para a Austrália, comprar uma casa distante da cidade – e das pessoas – e por fim, “levar” Miranda para dentro de seu mundo.
Depois de sequestrada, Miranda se vê sozinha trancada em um porão que foi cuidadosamente ornamentado com o que Clegg achava que seria de seu gosto. Já que ela viveria ali para sempre, que pelo menos continuasse pintando suas telas, lendo seus livros… ouvindo suas músicas. Quem sabe, assim, ela não se apaixonaria por ele. (?!)
Mas senhores, é um livro de suspense… o que vocês acham que realmente aconteceu? Miranda Grey tinha uma força única. Usava de jogos psicológicos para que Frederick a soltasse, mas eles sempre davam errados. Ora porque ela se precipitava, ora porque ele já estava preparado para suas armações. E mesmo assim, sendo humilhado, ameaçado, achocalhado … Frederick nutria de uma paixão sem precedentes por aquela mulher… até que…
A obra tem uma segunda parte. Esta, contada – ainda em primeira pessoa – por Miranda. E é nessa parte é que Fowles deixou um pouco a desejar. Agora estamos sendo levados por outra versão, outro personagem. Mas quando Miranda começa a narrar a sua visão do acontecido, tivemos a sensação que estávamos lendo tudo de novo. Tudo que já tínhamos lido até ali. Em algum momento ficou deveras repetitivo. E acreditamos que se pulássemos algumas partes, não perderíamos nada. Isso foi no começo. Mas aí, Miranda também perde-se em si mesma.
“O Colecionador” não é um livro fácil, mas não é impossível. Talvez seja aquele tipo de leitura que “ou toca ou não toca (ponto!)”. Mas o que que custa pensar um pouco fora da caixinha?
“Nunca mais terei um diário, quando sair daqui. Não é uma coisa saudável. É-me benéfico, aqui, pois me dá alguém com quem conversar. Mas é uma vaidade, só escrevemos o que queremos ouvir.”
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ótima resenha !
Sinceramente a história me atraiu bastante, mas essa questão de ter uma segunda parte repetitiva me desanimou bastante para ler, uma pena.
http://www.estante450.blogspot.com.br