Sinceramente não sei por onde começar a falar desse livro. Não somente pela sua história (ou histórias), mas também por todo caráter religioso que ele possa vir a ter (e tem!). Então, em época da festa carne, trouxe a Bahia de todos os Santos para nossa dica do dia. Um dia, a Santa resolveu pular o carnaval. E Woo! Magazine foi junto com ela
A obra consta de 438 páginas. Páginas bem escritas, embora confusas na visão de um leigo em Candomblé, por exemplo. Seus personagens, bem, juro que comecei a contá-los, mas desisti no terceiro capítulo e no final já havia perdido a conta. E por último, mas não menos contundente; seu[s] títulos[s]. Porque sim, há mais de um e cada um deles bem específicos para cada momento da obra. Logo, em destaque:
“O sumiço da Santa.” ou;
Visitação de Yansã à cidade da Bahia.” ou;
Execreção pública de Fanáticos e Puritanos.” e;
“A Guerra dos Sexos.”
Ainda que o título de capa seja “O Sumiço da Santa”, o primeiro aqui apresentado, todos os outros propostos são bem relevantes dependendo da ótica em que se lê (ou que se quer ler) a dita obra. O que me leva a pensar: lê-se sobre o que o autor “quis” dizer, ou sobre o que o leitor “quis” ler? [Como comentário pessoal: Se Jorge Amado fez isso propositalmente, só tenho a dizer que ele era um gênio!]
Enfatiza-se ainda: “romance baiano”. Uma quase nacionalidade, na qual faço questão de salientar NACIONALIDADE e não REGIONALISMO. O que pode parecer diferente à primeira vista, mas ao terminar de ler a obra não sabemos mais onde começa um e termina outro.
E para terminar; o contexto histórico: um tempo curto de 48h no final dos anos 60 ou início dos anos 70. Época da Ditadura (lendo-se a edição de 1988)
O livro consta de muitos capítulos, mas eles não são numerados, e sinceramente, não me dei o trabalho de contá-los, afinal, achei que isso não seria relevante para a obra; ainda que no final, tenha me arrependido e sentido falta dos números para dar certa localização espacial acerca do enredo. O mesmo aconteceu com relação aos personagens (como já havia mencionado ao início dessa resenha).
A narrativa gera ao redor do “sumiço” da imagem de Santa Bárbara, a do Trovão. O primeiro parágrafo, da primeira página, me soou como uma canção, uma trova antiga, ou como bem mencionado no próprio enredo, “uma cantiga de amor”.
Aliás, seja por pura invencionice minha, ou porque o autor conseguiu influenciar-me mais do que deveria (e conseguiu!), passei boa parte da leitura narrando a história como se fosse música.
O fato é que a santa é levada de Santo Amaro da Purificação para a Bahia de Todos os Santos, precedente do Recôncavo, para participar da exposição de Arte Sacra organizada pelo diretor Dom Maximiliano Von Gruden. De importante agora, saliento que na viagem estava presente (além de outros que vou saltar), Padre Abelardo Galvão, conhecido por ser padre “moderninho” e dado a revoluções. À chegada do Saveiro ao porto dar-se-ia por completa e com êxito se a Santa simplesmente não tivesse ido embora com suas próprias pernas.
Em meio ao “sumiço” da santa, no museu de arte sacra dom Maximiliano Von Gruden estava em polvoroso não somente pela abertura da exposição, mas também porque iria lançar um livro falando justamente da história que envolve a imagem. [Ressaltando sempre a conversa direta com um leitor. Ora tratando formalmente, ora dirigindo-se à mulheres (leitoras) e quase sempre de maneira irônica e descontraída.]
O livro também é repleto de histórias paralelas – ainda que o mote principal gire ao redor do que houve com a santa- há uma infinidade de outras coisas acontecendo. Até mesmo a história da santa é envolta em outras narrativas. Santa Bárbara, a do Trovão passa a ser Yansã. Assim como há relatos sobre a vida de Adalgisa, Danilo e Manela (esta, sobrinha/ filha deles.) Manela tem uma irmã que vive com outra tia; Gildete.
Gildete versus Adalgisa
Irmãs e pares opostos. Dicotomia e dualidade. Gildete é mãe de santo, dança em centros de Candomblé, e Adalgisa frequenta a igreja católica, carola, e odeia qualquer coisa relacionada à “macumba.”.
E aqui chego a um momento crítico. O fato é que não sei como conduzir meu raciocínio. Não quando muitas histórias (e vidas) parecem querer ir por caminhos e destinos diferentes. Sei que tenho que falar do caso conturbado de Gildete e companhia, Adalgisa (que por sinal é a melhor de todas as histórias contadas); da Santa e de todos os personagens que vão aparecendo ao longo do enredo e que ainda sendo secundários, são de deveras importância para a obra.
Acho que vou pelos pontos que eu considerei fortes; e sendo assim, inicio pelo contexto histórico; que me é fantástico. A cena da lavagem da escadaria do senhor do Bomfim é uma das passagens mais culturalmente ricas, em minha opinião. Creio que independentemente do que se acredita, se somos ou não religiosos, ou que caminhos decidimos seguir, falta hoje um dia, um certo panorama de como as coisas acontecem dentro de cada nicho. Ouvimos falar como cada religião prega/impõe/cobra seus dogmas, mas não vejo muita gente enaltecendo as histórias bonitas por detrás delas. A não ser os clássicos e clichês como a crucificação Cristo.
Sobra fé e falta humanização.
É um texto tão rico e tão denso que o leitor é conduzido a um mundo repleto de sensações, cujo auge chega a culminar em sentir o gosto das frutas, o cheiro do dendê e até mesmo o balanço do Saveiro. Não sei se é o tipo de coisa que o autor espera refletir no leitor, mas também não sei se todos os leitores estão abertos para essas sinestesias. No entanto, como essa resenha é uma conversa de mim comigo mesma, sinto-me no direito dessas liberdades.
Personagem alvo e título do livro. Pelo o que entendi, Santa Bárbara ou Yansã vem como “salvadora” do destino de Manela e Adalgisa. Fez-se personagem de carne e osso e, ainda, interferiu, para o bem de todos; na vida de quem lhe era de direito.
“Yansã veio à Bahia em visitação para conserta-lhes a vida torta, pôr cobro à maldade, ensinar o bem e o gozo, a alegria de viver. Revestiu o manto de trovões de Santa Bárbara, seu alter ego, embarcou no saveiro de mestre Manoel, implantou a confusão, atravessou os limites da balbúrdia e do perigo, salvou a vida de um padre-melancia, se divertiu.”(Amado, p. 434, 1988)
Ao ter que fazer uma resenha de um livro com tantos personagens e histórias, confesso que fiquei um pouco perdida. No entanto, ao largo da leitura, ou eu no papel do leitor (não sei mesmo!), pude perceber que por detrás da narrativa existia um grande diálogo entre “nós”, (diálogo no qual, incluem-se personagens, autor, leitor), então, tomei a liberdade de fazer esse diálogo comigo mesma.
Ainda que saiba, que algumas normas ou padrões devam ser respeitados, não me senti infligindo nenhuma regra a respeito da estrutura. O que me levou a pensar no quão a vontade uma obra pode deixar aqueles que as leem.
O Sumiço da Santa, veio com uma leve bahianidade. O frescor de uma rede e de uma água de coco.
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