“Viagem ao Redor da Lua” é uma aventura que narra a história de um grupo de norte-americanos, fabricantes e experts em mecanismos bélicos (mosquetes, rifles, canhões e similares) que, ociosos em seu trabalho devido ao fim da Guerra Civil dos EUA, decidem lançar um projétil à Lua. A ideia é usar seu conhecimento acerca da mecânica do tiro para enviar uma bala ao satélite natural da Terra, rompendo assim, pela primeira vez, a barreira que separa o humano do espaço sideral e remeter para fora do nosso planeta um objeto humano, algo até então nunca realizado. Em determinado momento, surge a proposta de tripular esse projétil e levar alguns exemplares humanos neste projétil, em viagem apenas de ida, pois na Lua não há meios de lançarem-nos de volta à Terra.
“Estudei a questão sob todos os aspectos, ataquei resolutamente o problema e, dos meus cálculos indiscutíveis, apurei que um projétil animado de velocidade inicial de onze mil metros por segundo, dirigido para a lua, há de necessariamente lá chegar. Tenho, pois, a honra, estimáveis colegas, de propor-vos que tentemos esta pequena experiência!” 1a parte, cap. 2
Finalmente Verne decide sair da Terra. Este livro é uma fusão de dois livros publicados separadamente, “Da Terra à Lua”, de 1865 e “Ao Redor da Lua”, de 1869. Como o segundo é a sequência direta do primeiro e eles foram publicados em datas próximas, a edição completa, com ambos textos, é bastante comum e ganhou o título “Viagem ao Redor da Lua”.
“- fora de qualquer brincadeira, tenho profunda estima pelos cientistas que sabem, mas também profundo desdém pelos sábios que nada sabem.
– E conhece alguns que pertençam à segunda categoria?
– Sim. Na França há um que sustenta que, matematicamente, as aves não podem voar e outros cujas teorias demonstram que os peixes não foram feitos para viver na água.” 1a parte, cap. 10
A primeira parte do livro, correspondente ao título “Da Terra à Lua”, se detém no planejamento e execução do lançamento da bala. Ele tem seus momentos de comicidade, mas o foco permanece nos cálculos e projeções do tiro. Por isso é considerado um tanto desinteressante por parte dos leitores. A mim, estes projetos me pareceram interessantes, eu realmente mergulhei no mundo de Verne e me senti curioso acerca das soluções que o grupo haveria de inventar para superar cada um dos obstáculos que dificultavam o lançamento do projétil. A segunda parte, correspondente ao título “Ao Redor da Lua”, narra a trajetória dos navegadores em sua viagem à Lua. Este trecho tem maiores características de narrativa e agrada mais ao público em geral. Reviravoltas na história acontecem e os personagens passam por situações imprevistas, bastante interessantes.
“o silêncio era profundo e apenas interrompido pelas pancadas do cronômetro que batia segundos. Súbito, houve choque terrível e o projétil, sob o impulso de dezesseis milhares de milhões de litros de gases desenvolvidos pela deflagração do piróxilo, foi arrojado no espaço.” 2a parte, cap. 1
É inevitável notar que a criatividade de Verne foi uma verdadeira premonição aos eventos assistidos durante a corrida espacial entre a União Soviética e os EUA. Este livro serve claramente como um manual para as missões tripuladas em órbita terrestre e lunar. Se focarmos principalmente na Missão Apolo, veremos que ela seguiu as orientações de Verne – seja isso coincidência ou não – pois as semelhanças saltam aos olhos. O lançamento se dá na Flórida, onde a circunferência da Terra facilita o lançamento do projétil em órbita; O projétil é animado pela queima controlada de combustível inflamável; O projétil leva três tripulantes; Há falta de gravidade durante a trajetória no espaço (apesar que Verne previu este fenômeno apenas em um ponto, não durante todo o trajeto); A alunissagem se dá em ambiente de baixa gravidade, pois a Lua possui menos massa que a Terra, entre outros. Se pegarmos o exemplo histórico da Apolo 13, veremos que há ainda mais semelhanças, pois até os contratempos enfrentados e soluções adotadas pelos personagens são muito parecidos com os fatos desta missão.
“…distinguia o leito deserto dos imensos mares-planícies e, para o norte, áridas montanhas. Nem uma só obra denunciava a mão do homem. Nem uma só ruína lhe revelava a passagem. Nenhuma aglomeração de animais indicava que a vida ali se tivesse manifestado, mesmo em escala inferior. Em parte alguma observavam-se movimentos, em parte alguma se viam aparências de vegetação. Dos três reinos que povoam o esferóide terrestre, só um se via representado no globo lunar: o reino mineral.” 2a parte, cap. 13
Por fim, é uma história empolgante, na qual Verne esbanja conhecimento não apenas da física mecânica, mas acerca da geografia da superfície lunar. A sensação que fica ao término do livro é de que o autor deve ter tido algum acesso ao futuro, tamanha capacidade de antever fatos que só seriam realidade cerca de cem anos após a redação do livro. Posteriormente ele retornará ao tema da astronomia no livro Heitor Servadac, uma outra obra cativante!
Um detalhe importante sobre os livros de Verne é não ler as versões adaptadas, infanto-juvenis. Leia apenas as traduções baseadas no texto original, sem alterações. Neste quesito, as impressões da editora Matos Peixoto, da década de 1960 e 1970 são imbatíveis.
Texto: Henrique Zimmemann
Imagens: Divulgação/Júlio Verne
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