Algo que já é característico de Black Mirror é a sensação de fazer seu público não entender o episódio e criar infinitas teorias e explorar por easter eggs. A quarta temporada da série, mesmo com seu ritmo mais leve e finais felizes para alguns personagens, não deixou de lado seu argumento principal: a tecnologia. A criação de Charlie Brooker sempre nos surpreende. Brinca com nossas mentes e nos faz falar sobre isso durante dias, talvez por isso seja um grande sucesso. E, nada melhor do que trocar teorias sobre isso. Então, vamos a análise dos episódios, mas se você ainda não assistiu, saiba que nesse conteúdo tem SPOILERS!
Temporada 4, Episódio 1 – “USS Callister”
Fazendo uma paródia de Star Trek, o primeiro episódio da nova temporada já começa a bordo da nave com o comando do capitão Robert Daly (Jesse Plemons) e sua equipe. Depois de mais uma missão concluída com sucesso, com direito a “hip hip hurra”, é que a fantasia acaba e o mundo real começa. Daly é um dos donos da empresa “Callister”, mas ao contrário de seu sócio James Walton (Jimmi Simpson), ele não é reconhecido como deveria. E isso o leva a criar uma versão do jogo na qual somente ele tem acesso, inspirado em seu seriado favorito.
Os personagens desse jogo, seus subordinados, são os seus colegas de trabalho da vida real. Desde seu sócio até a recepcionista e a “garota do marketing”, todos foram clonados pelo seu DNA e fazem parte desse jogo, com total consciência de quem são e o que fizeram pra estar ali, também sabendo que não podem sair, pois são dominados por Daly. Assim, quando Nanette Cole (Cristin Milioti) chega para trabalhar na empresa, Robert não perde tempo e a coloca no jogo. Mas, a personagem de Cole não aceita a tirania demonstrada pelo programador e armam um plano para se vingar.
“USS Callister” é um bom episódio, com um ritmo diferente dos demais ao fazer rir, algo que não é característico de Black Mirror. Podemos citar a excelente parte artístico, desde os efeitos visuais aos figurinos e caracterização dos personagens quando os mesmos estão dentro do jogo e fora dele. Daly, por sua vez, é revelado como um homem frustrado e excluído socialmente e usa a sua habilidade de programação para viver num jogo online tudo aquilo que não é na vida real: ser querido por sua equipe de trabalho e ter sucesso com as mulheres. É uma chance de usar a tecnologia pra se vingar e esquecer, de uma maneira bem sádica, daqueles responsáveis por sua vida miserável. Para quem costuma assistir Black Mirror devagar, por conta de seu conteúdo forte, é um bom episódio para se iniciar a temporada. E, claro, como não lembrar do segundo episódio, da terceira temporada, “Playtest”? Seria o jogo “Infinity” uma extensão do que foi apresentado na temporada passada? Fica o questionamento! Dá para ir além e também observar como o roteiro explora temas atuais, como assédio e direito ao próprio corpo, afim de indagar o espectador sobre o que assiste. E funciona.
Temporada 4, Episódio 2 – “Arkangel”
Dirigido por Jodie Foster, “Arkangel” é um dos episódios mais reais da temporada. Conta a história de Marie (Rosemarie Margaret DeWitt), a mãe de Sara, que após perder sua filha, resolve procurar a tecnologia “Arkangel”, que através de um implante na cabeça, permite a mãe que veja e localize sua filha através de um tablet. É revelado também que é possível colocar na criança um filtro, assim ela não escuta ou vê uma situação que a cause medo.
Assim, vemos Sara crescendo com esse implante e Marie, que se torna superprotetora, precisa aprender a lidar com a liberdade que é exigida pela filha. Ela cede e se desprende, mantendo o sistema fora de uso, até a menina se tornar adolescente e, um dia, chegar mais tarde do que o horário combinado. Marie acaba usando novamente o programa e vê a filha em uma situação intíma. Mas, a obsessão que a mãe sentia pela filha na infância volta a tona de uma maneira muito mais pertubadora, já que Marie acaba se precipitando e é descoberta por Sara, num final inesperado pra alguns, mas justificado de certa forma.
Analisando o episódio, essa realidade não está muito longe de nós. Relacionamentos abusivos familiares tem se tornado cada vez mais pauta dentro do audiovisual. Aplicativos de controle e localização familiar já existem, mesmo que ainda não permitam ver o que o outro vê. De toda forma, no episódio, o que entra em questão é a obsessão de Marie pela filha, que começa desde o seu nascimento até o momento que ela some e que se opta pelo sistema e em que começa a ter atitudes correspondentes da idade. Em nenhum minuto o episódio cita o pai da menina, desde o começo a relação é apenas entre Marie e Sara. A necessidade pelo controle da vida do outro destrói a relação das duas e critica até que ponto essa dependência se torna uma doença. É um episódio muito bom e com críticas muito diretas, mas acaba pecando pelo final “relaxado”.
Aqui vale mencionar também que parece muito com o terceiro episódio da primeira temporada, “The Entire History Of You”, que apresentou um sistema de acesso as memórias.
Temporada 4, Episódio 3 – “Crocodile”
O terceiro episódio da temporada, “Crocodile”, começa com um casal que atropela, por acidente, um ciclista. Por não estarem sóbrios e num ato de desespero, o rapaz decide jogar o corpo no mar. Quinze anos depois, esse passado volta pra assombrar Mia (Andrea Riseborough), que hoje é uma mulher bem sucedida e com uma nova família.
Para evitar a ruína de sua nova vida, Mia decide eliminar qualquer traço que possa ligá-la a esse acidente, mas se vê num ciclo vicioso de execuções à sangue frio. Tudo isso porque Shazia (Kiran Sonia Sawar), uma funcionária de uma equipe de seguros, consegue através de uma máquina visualizar as memórias das pessoas. Ao ter seu caminho cruzado com o de Mia e ver suas memórias, Shazia e sua família acabam entrando para a lista da arquiteta.
“Crocodile” é um dos melhores episódios da temporada, mesmo que seja forte e cruel. Mostra como nenhum passado fica verdadeiramente escondido e se existe um limite para esconder segredos. O interessante do episódio é como Mia fica tão desesperada em não perder tudo aquilo que conquistou, mas em nenhum momento parece perceber a cadeia de corpos que está se formando atrás dela. O final surpreende pela simplicidade, mas atiça ao revelar que não há limites para a tecnologia. Podemos relacionar um pouco com “The Entire History Of You” e também “White Bear” e “Playtest”. Todos brincam com a mente e as manipulações de pensamentos e memórias.
Acompanhe a segunda parte da análise dos episódios aqui.
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