Estados Unidos, década de 60. Década considerada por estudiosos como período de efervescência de movimentos sociais no país, pautados na busca por condições de equidade. Desde de 1965 (e infelizmente até os nossos dias) o país viveu momentos críticos motivados por questões raciais, que enraizadas nos pilares sociais vitimou milhares de cidadãos (física, moral, psicologicamente) ao longo das décadas. E a cidade de Detroit, em Michigan, foi palco de um importante marco na história da luta negra por igualdade. E de forma muito sensível, informativa e voraz o longa “Detroit em Rebelião” narra alguns fatos significativos deste período.
A cidade já esvaziada de oportunidades vê a evasão da população branca e um pouco mais abastada, sendo um local onde boa parte dos moradores eram negros e pobres. A polícia local (em sua maioria branca) tem natureza truculenta, especialmente quando se trata de perseguir (como é de se esperar) negros e negras. Na época era muito natural que jovens negros tivessem ao menos uma passagem policial. Isso fica muito claro já no começo do filme quando uma dezena de jovens são presos simplesmente por estarem promovendo uma festa para comemorar o retorno de um militar da guerra do Vietnã. Deter de forma abusiva o grupo na rua, de forma exposta, gerou a revolta dos moradores e foi o ponto de partida para o começo da rebelião. Exaustos da segregação social, essa parcela alijada passa a incendiar prédios, saquear lojas e reagir violentamente às investidas policiais.
Esse cenário tornou a cidade uma praça de guerra. Como é de se supor, a resposta do governo se deu de forma ainda mais violenta e extremamente higienista. O medo misturado ao imenso racismo fez com que muitos fossem assassinados ou seriamente feridos (estima-se que os confrontos mataram 46 pessoas e feriram mais de 2000). O abuso de poder que já existia se potencializou com a justificativa da “insegurança” frente aos injustamente considerados baderneiros.
Ao tratar de eventos históricos é muito simples pesar o estrago através de estatísticas. Mas por trás dos números existem diversas histórias que calam frente à barbárie. No longa o roteiro de Mark Boal somado à direção exata de Kathryne Bigelow conseguem ser muito felizes ao mostrar o impacto da sequência de fatos na vida dos negros na década de 60. Percorre do todas as gerações e suas frustrações e perdas. Conhecer um pouco alguns personagens cria uma relação empática, tornando o decorrer dos acontecimentos ainda mais agoniante ao expectador.
O foco principal de “Detroit em rebelião” se dá em torno do hotel que abrigava jovens majoritariamente negros que é invadido pela polícia devido à suspeita da existência de um atirador no local. O motivo inicialmente legítimo passa a se perder frente às diversas formas de violação aos direitos civis dos jovens “investigados”. E os desdobramentos desse caso vão tomando proporções cada vez mais indigestas.
O caso de 1967 mostra as profundas cicatrizes das questões raciais estadunidenses. Trazendo a questão para a realidade brasileira, é interessante pensar o quanto ainda estamos próximos do cenário caótico representado por Bigelow. Atualmente diversas outras viáveis compõem esse complexo jogo, e a mortalidade de jovens negros e periféricos mostra que a luta por igualdade de oportunidades ainda está muito longe de findar (se é que pensar nessa possibilidade poderia ser considerado sem cair no risco da utopia).
A direção de fotografia (Barry Ackroyd) conseguiu trazer às telas um cenário fidedigno aos registros históricos, mostrando o minucioso trabalho envolvido. E o elenco apresenta um trabalho inspirador, com destaque à Alguee Smith na pele de Larry, um cantor da (que futuramente se tornou famosa) banda The Dramatics; Jacob Latimore, vivendo o otimista e trabalhador Fred; John Boyega como o idôneo vigilante Dismukes; e Will Poulter como o policial racista Krauss. De forma geral, as atuações não apresentam exageros, estando no tom exato.
O ritmo também é um acerto da direção. As opções na narrativa fizeram com que as mais de duas horas de filme passassem sem torna-lo maçante. Do contrário: O tempo se mostrou coerente à quantidade de informações necessárias ao longa.
Não se trata somente de um filme de qualidade. Mas trata-se de uma contundente exposição de uma sociedade doente (que ainda prova de suas mazelas até os dias de hoje). O retrato de uma comunidade marginalizada contado com clareza, e uma sensibilidade dura – sensível na abordagem histórica e dura na verdade com que trata os abusos. Um soco na cara bem-vindo e necessário!
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